quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Monólogo das paixões

Escolhas feitas desde muito tempo, amar sem importar correspondências. Coisa doida, de mulher acostumada a não ser obediente. Podem dizer que é coisa diferente, mas não é não. Mulheres amam mais do que são amadas. Elas são a emoção encarnada. Tempo, muito tempo antes de se perceber doidices da razão, mulher já sabia tudo de emoção. Por isso temos amado tanto sozinhas. Por isso, temos dedicado tanto a deixar o mundo pura emoção, a manter o feminino neste mundo, tão masculino. Por isso temos esperança, mesmo no monólogo das paixões. Queremos seduzir o masculino para sonharmos juntos, em diálogo, a delícia de um mundo apaixonado pela vida, pela razão emocionada.

Vida temporal

Tanto ainda tenho a aprender. Cada desencontro no caminho a vida me ensina coisas nem desconfiadas. Nada é como antes. Temo que nunca será. Mesmo assim teimo em tentar. Aventuro-me nos espaços, em tempos desmarcados, em amores perdidos, fantasiados. Faço-me laboratório de meu sofrimento e das descobertas do prazer tenaz ou fugaz. Arquivo lamentos. Vivo das memórias E de sonhos da repetição. Enfeito as perdas de emoção e fantasias. Produzo, nas linhas da desilusão, a poesia, mais vida e visagens de magia, de felicidades raras, temporais.

Somos todos tão iguais e só nos encontramos realmente nas diferenças.

Dança e paixão

Não tenha medo, Não se afogue com meu bem querer. Sou muito suave e não seria de dor que irias gemer. Dançaria pra ti muitos blues, no compasso suave da sedução, insinuando despir-me aos poucos pra te deixar em apuros, louco, a querer-me tua. Chegaria bem devagar perto de ti, sem dizer palavra alguma. Olhando em teus olhos ouviria tua respiração à lábios de distância, até que na firmeza de tuas mãos quentes me dissesses querer o mesmo que eu. Nos entregaríamos à paixão deixando que amanhecesse somente amanhã, sem passado, futuro incerto, mesmo assim aberto ao momento único vivido por um homem e uma mulher fazendo puro prazer.

Final de estação

Nem precisas dizer o que já sei. Tua indecisão, teus receios, tuas reservas de além mar me recordam a solidão. Nem faças mais rodeios. Vá agora não pensar mais em mim. Saio aqui deste verão cansada desta overdose de mar, de ondas a me mostrarem o fim do caminho. De tantos sonhos de sol, de pretensões de amor nas dunas, de tanto querer e de tanto te perder. Entrar no mar assim, sem saber nadar, nem lidar com suas marés é mania incontida de sonhadoras. Nem me venhas mais tentar explicar, pois já está findando o verão; é hora de pensar na mudança das folhas da solidão. É final de estação.

Bla, meu amor bla

Tenho bla, bla, bla contigo. E tu bla, bla. Acho que poderíamos bla mais. Não entendo porque tu uma hora bla, bla e em outra bla. Não entendo mesmo teu bla. Não estou mais com vontade de bla. Magoei. Vou bla, bla com quem quer bla, bla e entre outras coisas bla, bla, bla. Devo estar mesmo muito bla pra querer tanto bla, bla, bla com quem não quer bla, bla, bla. Por isso, vamos deixar de bla, bla. Assim vou acabar acreditando que não tenho bla, bla, bla. E modéstia a parte, eu tenho muito bla, bla, bla. Um bla compreensivo pra ti, porque afinal de bla, bla a vida é um grande bla, bla, bla. Bla!

Jardineira

O dia em que meu jardim te recebeu, ficou em mim a marca de teu olhar. Querias te perder entre os arbustos feito gnomo, sorrateiro. Um desejo de ficar trancou tuas mãos em minha cintura. Não se entregar ao perfume das heras falou alto demais para um gnomo. Assustado, chegastes à saída, perdestes o sossego, ganhastes medo. Na promessa do retorno guardei a esperança de rever-te e seduzir-te, enfim, em meu jardim...

Canção de uma sereia

Escreveria mil poemas pra te contar meu amor. Nossa! Como eu poderia contar todas as estrelas só pra te mostrar que já sei contar. Como sei contar e recordar as horas em que ficamos juntos e os infindáveis anos que nos separaram. Eu poderia dizer todas as palavras de amor só pra saberes mais do que sinto, minha capacidade de amar, que é infinita, minha tolerância. Eu chamaria todos os sábios só para esclarecer todos os mal-entendidos que nos afastaram. Ah! Como eu poderia andar por todas as estradas, só pra te ver passar. Em todos os portos, só pra te ver chegar. Eu poderia fazer isto todos os dias, porque meu amor é tão intenso, tão imenso, não cabe dentro de mim, ele se esparrama pelo mundo. Ele tenta chegar a ti pelas ondas do mar batidas no teu cais. Quando ouvires o barulho do mar, no meio da noite, roçando as pedras, saiba que é meu amor querendo embalar teu sono. Te amar tem sido minha companhia, tem sido minha ternura, minha bravura, minha solidão. Nem soube mais te esquecer. Mas aprendi a dedicar meu amor aos homens que entram no mar. A eles dedicarei o que a ti destinava, meu caro e esquecido homem do cais.

Amores

Muitas lembranças com afeto. Muitos amores deixam rastro, marcas na areia; seduzidos, ou não, pela sereia. Não sei bem, mas aprendi algo contigo. Talvez seja até mesmo como querer bem a um amigo.

Cotovelos doem

Como me livrar desse efeito? Mesmo com meu bom coração não consigo evitar o despeito. Por mais que me perca em alentos, em visões cósmicas, em recolhimentos, a todo instante se instala o mesmo tormento. O querer se ocupa de outro querer, mas sem saber me pego pensando nele, ele que não me quis. E eu que me espalhei toda feito chafariz. Acreditei em sonhos, em velas e penumbras sutis, em mãos dadas, em cores, lençóis e sono de amantes. Mas que mancada reclamante. Anos de afetos e pelo sim pelo não perdi o quase amante.

Saudade do mar

Saudade do mar tocando em meus pés descalços, desnudos de receios do chão. Caminhei longo trajeto. Busquei no mar meu consolo, minha saudade de ti. Voltei a cada dia. Pensei encontrar-te a minha espera, procurando-me também no mar. Mas que tola, pensei em misturar-me às ondas, fazendo-me a sereia a te chamar em encantamentos. Ao entrar no mar, passastes rente a mim e temeste o transtorno. Fugistes do meu encontro marcado, dos meus sonhos, dos meus devaneios. Roguei então proteção do mar, mesmo longe dele. Roguei proteção e ensinamentos das sereias pra aprender um canto sereno e sedutor pra encantar meus caminhos, mesmo sem ti. Saudade do mar, da nudez de meus pés, de um certo trajeto, de querer me encontrar. Saudade do mar...saudade de mim.

O tempo

O medo que tens de perder tempo e de perder o tempo é o medo dos sentimentos assombrando o caminho por onde passas correndo. Tens o medo de perder tempo. Verdade mesmo é o medo de perder-te comigo em horas além das falas, as horas do olhar. Tens medo de te encontrar comigo em meus olhos e descobrir que minha emoção pode te influenciar, pode te desorientar. O medo que tens de perder tempo é de dar tempo pra te entregar à ruína de tuas certezas, tão tesas, tão cheias de receios, traumas, desejos secretos, presos. O medo que tens de perder tempo é o de explodir e ocupar outro espaço, outra órbita, desconhecida, escondida, inédita. O medo que tens é de perder-te, é de encontrar de novo o sonhador, encontrando com minha emoção, com meu amor, que só querem mesmo é te libertar.

Que coisa

Que idéia esta de você querendo regular assim o meu querer. Que mania de saber tudo e deixar pra mim o diálogo de um filme mudo. Coisa mais estranha fazer-me sentir uma mulher-aranha a subir pelas paredes, achando que construo vida e só construo redes. As redes tecidas neste verão eram tão lindas, cheias de margaridas. Colhidas cedo só pra te homenagear. Tolo, nem notas. Estás imerso em teu mundo como um gato-de-botas. Nem sentes meu chamado discreto querendo teu colo, querendo teu chamego; te querendo dizer quanto sossego poderia sentir ao teu lado, mesmo caminhando calados, mesmo se nem caminhássemos, apenas me desses o teu olhar pra eu poder registrar entre as redes que teimo em tecer. As mesmas redes que penso poder dedicar, um dia, quem sabe, ao amado exemplar. Que coisa ...

As meninas

Quando vejo meninas, lembro que eu era linda. Nunca me disseram, mas sei que era, pois foi lá que plantei minha ternura. Quem me dera poder dizer a todas as meninas como são lindas. São flores. São de todas as cores. São rosas, petúnias, sempre-vivas. São borboletas, violetas, avencas em broto vivo das manhãs. São risos soando baixinho. Devagarzinho vão enfeitando cantinhos das salas; e logo se abrem em grandes alas.
São malandrinhas, cobiçam os meninos mais cedo do que queremos, nada sabemos. São lindas deusas as meninas. São sábias e belas. Seres vindos de primor. Criam e encantam meninos, pra refazerem, o tempo todo, com sua graça feminina, o intrigante destino dos terráqueos em desalinho.

Digo adeus

Adeus meu amor, seja você quem for, despeço-me da ilusão e da fantasia de nosso encontro. Digo adeus. Volto hoje mesmo pra minha solidão.

Deixa estar

Não atrapalhe minha tristeza. Deixe-me afundar em prantos, em soluços redobrados. Deixe lavar minha dor, deitar numa banheira de lágrimas. Vivo este pedaço, quebro-o depois. Estarei renovada, aliviada. Livre. Então juntarei os cacos, criarei novos mosaicos de mim. Porque sei ressurgir de cada morte assim.

Como nas ondas do mar

Preciso ir ver o mar, e me aconselhar. O mar me fala com suas ondas. Ele inspira visões, mil caminhos. Relembro, porque ainda não aprendi bem que a vida é um movimento de ondas. Mesmo fazendo mil rondas, jamais será o mesmo lugar. De pouco adianta esperar um amanhã quase igual. Ele será o que for, pois gosta muito de variar o seu sabor. O mar sugere recriar nossa vida a cada manhã como as ondas e aquele balanço espetacular!

O silêncio

O silêncio é um jeito maneiro de se garantir o pensar. Já bastam os ruídos das angústias embalando nossa tristeza. Já basta a algazarra das ilusões agitando nossa euforia, disfarçada de alegria. O silêncio cai bem quando se precisa calar a voz diante do assombro ou do êxtase; quando se quer adiar repúdios, assédios ou aplausos. O silêncio é necessário para se ouvir o outro ou a si mesmo. Mesmo para um grito poderoso é preciso silencio!
É preciso, contudo, saber a diferença entre o resto da natureza e os homens. Ela sabe quando silenciar, aos homens é preciso avisar. Os homens não sabem, mas mais do que calar ou ouvir carecemos mesmo é de sentir o silêncio.

Seja preciso

Seja o que for que te diga, não será fiel ao que sinto. O que sinto precisa de mais palavras. Mais do que de minhas palavras, precisa do meu gesto. Precisa do teu gesto de me ouvir, de me olhar, de me dizer. Podes também me cheirar, me tocar. E quem sabe até me amar...

Das estrelas e outros brilhos

Já era tarde da noite. Depois da chuva havia muito silêncio lá fora. Mesmo àquela hora fui ver como estava o céu. As nuvens permitiram. Elas se partiam em pedaços. Pude ver do chão quase o brilho todo do espaço. Pensei, é uma viagem! Nunca vi tantas estrelas! Um presente, uma feliz miragem. Como se não bastassem, mil vaga-lumes sobrevoavam o jardim, em festa, em prenúncios; não sei. Sei, que quase chorei. Ergui os braços e disse: Aí, cuidem de mim! Quis te chamar pra ver. Mas não estavas próximo. Guardei pra ti este gosto de quem vê presentes nessas hora por pura sorte; de quem agradece cada segundo deste agrado lambuzado da vida, feito de graça, coisa do outro mundo, coisa dessas noites benditas de solidão.

domingo, 2 de agosto de 2009

Se avie rapaz

Ache a medida de seu encantamento. Que ele não passe do céu. O que te dou é pouco. Se te abraço é porque tenho muitos abraços. Se te dedico amor é porque tenho sobrando. Se te escrevo versos é porque há mais de onde os tiro. Quando sinto tua falta é porque não posso reparar teu sono. Não se assuste, nem se afogue com meu amor, porque ele é leve, é solto. É que ele transborda de mim e se esparrama assim, parecendo que posso sucumbir se não puder dividir. Mas não é não. Ele é eterno ou volátil. Você é que vai dar o tom, você regula seu encantamento. Você decide o que vai querer, porque estaremos aqui, eu e meu amor, por ti.

Quatro meninos no mar

Os meninos de coco raspado brincavam em puro frenesi na espuma das ondas. Seus risos libertos de qualquer censura tornavam o mar um cesto aconchegante daqueles filhotes. Cena sublime, de difícil descrição. Fiquei ali alguns minutos, tentando entender em qual momento perdemos tal espontaneidade. A alegria deles era tanta, que me envergonhei da admiração, da surpresa com essa raridade. Quem dera ter novamente esta idade, trazer amigos pras ondas e em espumas rirmos juntos de nossa criancice. Pois acho que riem é disto. Riem de sua inocência, riem de sua meninice.

Renovo

De hoje em diante, futuro incerto, chamem delirante, Sou Virginia e sou Maria. Sem alcunha ou sobrenome, sem pai nem mãe, sem marido. Vou tocar de ouvido. Sem batismo, sem padrinhos ou madrinhas encontro os caminhos. São imbricados, são sozinhos. Sou eu que os abro. Até a proteção sou eu que peço. Cativo os amigos. Mesmo sem querer também faço os inimigos. Sou Virginia Maria, como eu queria, desde guria, sem aceitar rima com tia ou pia. Virginia Maria, simplesmente. Fazendo coisas, vivendo gentes, a cada dia, diferentes. Sem dever passado ou antepassado, transpirando presente, inspirando futuro. Ser muitas Virginias e Marias. Sendo uma ou duas, ou múltiplas mulheres e gurias. Apenas um nome próprio. Só.

Das nuvens e outras visões

De onde vejo o mundo, as nuvens são guardiãs da terra. Às vezes estão sorrindo e dançando. Às vezes chovem. De onde vejo o mundo, as ondas do mar lembram o tempo infindo aos homens visitantes: os admirados. De onde vejo o mundo, o mar é verbo transitivo, conjugável no movimento de nossas vidas. Tolos, nem reparamos. De onde vejo o mundo, as gaivotas vêm à beira mar nos dizer que não somos donos do lugar.
De onde vejo o mundo, as montanhas são grandes seios, se excitam ao toque do céu, se aquecem ao sol e se enlouquecem com os temporais, pra lembrar aos homens que a terra é mãe. De onde vejo o mundo, os homens são meninos querendo brincar de Humanidade. Brincam e brigam o tempo todo, só pra definirem as regras do jogo. De onde vejo o mundo, as crianças
são sábias que deformamos pra não sermos dominados pela beleza de crescer. De onde vejo o mundo, os dias amanhecem sempre pra termos outra chance de felicidade e de compartilharmos essa alegria.
De onde vejo, há esperança de se perceber mais o que não tem palavras, de nos perdermos mais de nós mesmos, pra sermos encontrados pela vida!

Vem comigo

Não me pergunte quem sou ou de onde vim. Já vivi várias vidas só em meu jardim. Sou capaz de transplantar muitas raízes se lhes percebo agonia no lugar. Só sei criar coragem. Refaço o meu caminho assim, a qualquer momento da viagem. O que mais aprendi a conjugar é o verbo amar. Amo loucamente. Amo tanto, que me faço a cada dia mais vidente. Sei quando ele vai chegar, sei que ele está à beira mar, entre o verão e o inverno. Depois, é hora de outras vidas, de outros céus, de outros infernos. Sei pouco sobre onde vou parar. Por isso não queiras saber demais, se nem mesmo sei onde isto vai dar. Pouco importa quantas vidas vivi. Sendo assim, deixe estar. Vem pro banho, vem pro mar, vem pra mim...

Filho

Aprendo contigo a saber quem sou em todo tempo em que te mimo, brigo ou te ensino. A cada momento em tua presença, lastimo minhas ausências em tua vida. Minha luta tem em ti o maior dos motivos. Seja a luta solitária do dia-a-dia, seja a luta com as parcerias, o meu desejo do melhor que se pode fazer dedicarei a ti. É como se o fizesse a todos os outros filhos, motivos cativos de outros pais, aprendentes e ensinantes de nossos olhares atentos na criação de um mundo todo novo. Um mundo pra zelar pelos teus sonhos mais bonitos. E isto tudo só pra que nunca esqueças também de sonhar e de saber dedicar.

Perdidos e achados

Perco, sempre perco os amores pelo caminho. Às vezes eles ficam nas estações, às vezes correm, há novas emoções. Às vezes os deixo. Perco, mas sempre acho. Acho o amor que está em mim. Ele é assim borbulhante, dadivoso. Pronto pra instalação. Perco, perco o sono, apresso enganos. Dedico horas, blues e olhares perdidos, só pra me perder de novo de amor. Este mestre dos meus sentidos.

Cuidar da dor

A maior dor da dor de amor é o medo de deixar de ser crente, de ser gente, de não se saber mais de cor. É o medo de se tornar indiferente, de perder, a ternura, a fantasia, a alegria. Seja qual for a perda seleta é preciso cuidar bem da dor de amor; é preciso manter alerta o bom humor e despertar-se sem pudor para o riso. Rir de si mesma se for preciso. Aconchegar-se na crença de ser aprendiz também das dores do amor, como de outros sabores da arte de viver vida sentida.

Pejo nenhum

Sem pejo algum te dei um beijo no pescoço. Rocei tua barba, cheirei teu rosto. Foges da minha boca? Então falo, falo buscando teus olhos até ficar rouca. Sou louca. Foges dos meus olhos? Então tento penetrar tua alma. Via internet, feita pra seduzir, te roubo pra mim pela leitura, te cativo, crio a criatura, te levo a imaginar-me nua, toda tua. Dispo-me. Sem pejo algum, escrevo todos os meus desejos. Vão bem além da vontade de te dar um beijo, meu tesão.

Climático

Este verão parece com você. Não sabe se faz sol ou se quer chover. Cresci ouvindo dizer que “chuva com sol é casamento de espanhol”. Não somos de Espanha e não vejo sentido nesta tua manhã. Mas faça todas que puderes. Eu ficarei desperta só pra ver teus tons e sobre-tons de climas. Ficarei desperta e sozinha, pois também “sol com chuva é casamento de viúva”. Tens o verão todo pra fazer tuas manhas. Quando o inverno chegar me alimentarei do fogo e assim bem devagar, sairei desse jogo.

Pelo menos um vez

Ser amado, se pelo menos uma vez, uma única vez em minha vida eu estivesse enganada. Se pelo uma vez me surpreendesses com tua visita inesperada, cheio de flores nos braços e amor a emanar, a sair pelo ladrão. Ah, ser amado, como queria te ver no portão. Aflito por dizer-me que sentes amor por mim, tanto ou maior do que o meu. Ser amado, como queria estar enganada toda vez que percebo o fim da estrada. Se pelo uma vez eu estivesse errada.

Aprendi 2

Sorrimos num dia e choramos no outro só para descobrirmos a diferença.

Aprendi 1

A grande violência que se pode sofrer é acostumar-se a ela. Este costume entorpece e mata o saber e o sabor dos sentimentos de liberdade e da capacidade de sonhar.

Ser poeta

Ser poeta deve ser viver aberta. Por dentro e por fora, sem ser esperta. Deve ser olhar as coisas e vê-las. Apreciá-las antes de comê-las. Deve ser sentir o cheiro das flores, cultivá-las e ofertá-las aos amores. Deve ser ouvir os sons e musicar os sonhos. Deve ser o sonho que tenho em resumir o que sinto em versos, os risos, as lágrimas, a serenidade, os medos, as dúvidas, as descobertas. Ou deve ser a surpresa das rimas, anunciadas sem pedi-las. Talvez seja a aposta do coração por vida e versos, ou o breve lamento de não encontrar palavras para exaltar a imensidão de sentimentos no tempo finito deste meu viver.

Ao opressor

Sonhei com canibais dançando fogo e morte. Acordei por sorte. No sonho eras tu, capitulando-me em tiras. Desvairado, sobre meu corpo cansado despachavas minha cabeça, minhas memórias, meu futuro. Pressenti. Era um sinal. Providenciei luta. Luta é coisa que sei, não marca começo nem fim. Podes até consumir meu tempo, meu espaço, meu corpo. Mas meu espírito permanece, pois me sei também teu tormento. Estou na contradança vigilante criando teu desassossego, teus receios, tuas culpas, teus medos. Sou também das gentes dos teus pesadelos, porque careces de mais cuidado sobre mim. Sou insurgente, resistente, adversária. Sou revolucionária.

Convite

Ah, moreno, vem comigo que o luar enfeita a noite. Há um clarão junto às estrelas: será nosso abajur. A umidade do ar vai refrescar nosso suor e os ruídos noturnos confundirão nossos gemidos e sussurros. Ah, moreno, vem comigo, que o luar enfeita a noite e meu amor, ai o meu amor enfeita o teu coração.

É bela

Teimo em achar a vida bela. Apesar dos pesares, há sempre o por do sol, o abano do cão, o dengo do gato, o manhê do filho. Há o verde à volta da casa, as árvores plantadas por mim, a cozinha limpa finalmente, o chimarrão quase quente. Há o momento da música, de sentir o clima, de preparar o ambiente. De banho tomado e de cabelo molhado buscar as linhas do caderno perfumado, prontas para o registro teimoso de quem acha a vida bela.

O que faço menino?

Menino rebelde, maltratado, inquieto, fechado. Seu caderno esgadelhado, seu livro cheio de orelhas. Tua voz estridente. Tua letra ilegível, tua boca imunda. De família tão desistente. Vejo-me as voltas com a vida. Meus demônios perambulam sobre mim. Meus presságios são antigos e minha fé se esvai em sopros miúdos pela porta do mundo. O que faço contigo menino? Perdoa-me por não saber.

sábado, 1 de agosto de 2009

Criança

Criança de olhos brilhantes, guarda pra mim este brilho. Dá-me o presente de teus trilhos, canta pra mim este viço, este feitiço guardado de vida. Olha teu passeio, é cheio de tempo; vá dizer a mais crianças como tu que contaminem outras gentes. Façam um movimento brilhante pra lembrar a todos do alimento deste brilho e o bem que ele faz. Quem sabe assim se garantisse a todas as crianças do mundo o mesmo brilho eficaz.

Adolescer

Ele confessou: Ontem, fui dormir cedo, queria que chegasse o hoje. Hoje vou dormir mais cedo de novo pra que chegue logo o amanhã. Amanhã vou dormir cedo pra que chegue logo depois. Depois, vou dormir cedo pra que chegue logo... Logo, disse ele, logo: acho que assim não existo! Admirada, respondi: é. Ficamos em silêncio, e sorrimos.

Aprendizes

Coisa mais linda é você! Coisa mais linda sua presença! Refaço meu viver ao lhe encontrar. Refaço meu caminho ao caminhar contigo. Encontro a mim mesma a cada encontro seu. Aonde quer que andemos, nossos tempos muitos – nossos conselheiros – , dirão: vamos, vamos descobrir a vida. Seja o que for que descubras, mesmo que eu já conheça, ambos seremos descobridores: você da vida, e eu de você a descobrindo.

Ter esperança

Vejo a gurizada da minha rua e penso que ter esperança é acordar com essa vontade de abraçar o mundo inteiro. É esta vontade de trazer pra perto da gente a energia das crianças. São meninos e meninas que só temos feito é desperdiçar e teimar em não perceber. Seus olhares se desenham pelos nossos? Como podemos não perceber seus olhares curiosos, seus risos incontidos e seu jeito de dizer breves falas: marca que perdemos com o tempo. Penso que ter esperança é reconhecer o tempo perdido e descobrir onde deixamos nossa ternura, nossa capacidade de rir, simplesmente rir de coisa alguma. Ter esperança é sobretudo não obstruir a visão de nossos meninos e meninas. É afinal pedir-lhes ajuda pra olhar melhor a vida.

Sou assim

Gosto de ser assim, como gosto de muito espaço para deixá-lo vazio; também gosto de muitas linhas para escrever, para deixá-las em branco. O tempo então, o bom de tê-lo é o de perdê-lo. Perdê-lo para sempre, definitivamente. Gosto mesmo de ser assim. Apaixonar-me por tudo, todos os dias, sem na verdade quase nada prender, ou mesmo ter. O bom é o experimento da paixão que explode, lançando fagulhas do melhor de mim, inadvertidamente. Mas o espaço que mais quero; o maior e o melhor de todos, e o quero quase todo, é o melhor lugar que tens aí no teu coração. Sou assim... espaçosa.

Amor viking

Cheguei à orla e a nau de meu viking já havia partido.Tenho saudade. Muita saudade! Tenho saudade dos caminhos que não percorremos, dos banhos nus que não tomamos, do vinho gelado que não bebemos. E do amor; ai, do amor que não fizemos. Tenho saudade. Muita saudade. Tenho saudade da tua mão que não me acariciou, e mais ainda, da tua boca carnuda que só vi e ouvi falar, mas que não pude beijar. Tenho saudade. Uma saudade boa. Quase um agradecimento por esses breves momentos das manhãs em que estive à-toa.

Olhar que sente

Olhar a vida com poética está no sentir o que se vê. Provar e crer são sinônimos, labirintos impostos ao pensar. Olhar a vida com poética está em trazer à tona outros olhares já experimentados, expressados e compartilhados. Olhar a vida com poética é sentir compaixão sem perder o tesão e manter a vigilância sobre a opressão. Mas olhar a vida com poética é sobretudo viver em sintonia com a natureza, admirando-se com o que ela tenta nos dizer, sem dissecá-la, ou tentar explicá-la, simplesmente olhar com a poética dos cegos que nada vêem mas que a tudo sentem.

História de uma separação

Aquele menino assustado, do outro lado da rua, encostado na parede pediu que eu fosse sua. Pediu somente uma vez, na voz de outro menino. Um mediador. Pediu com medo do não. Alimentei seu medo: fugi. Deveria saber, não se faz isso com um guri. Nunca mais pediu meu coração, muito menos a minha mão. Muito mais tarde soube pedir meu corpo, meus pensamentos, meu espírito. Pediu de um jeito manso, todo seu. Deixou marcas sempre refeitas a cada reencontro. Hoje desfeitas finalmente. O tempo levou embora nossas ilusões. Mas passem dias ou tempo bem maior. Passem anos, vidas inteiras; fui marcada por aquele menino. Foi a força de seu olhar plantada em mim desde aquele dia; quando o vi do outro lado da rua.

O solitário

Tantas as vezes que te amei. Te amei sem saber.Te amei amiga, te amei desorientada. Tantas as vezes cruzamos na estrada, olhamos juntos pra nada. tantas as vezes que calamos assuntos difíceis, assistindo a qualquer coisa na tv.
Qualquer coisa que eu dissesse por muitas vezes te irritava. Eu me irritava por querer tua companhia mesmo assim, te irritando. Doce amor neurótico. Não há motivos pra te amar tantas vezes; mas é que sei amar quem deixa a vida passando, sem nada dela esperar, a não ser que lhe deixem em paz. Quisera causar-te a paz que tanto almejas, com minha presença. Mesmo minha ausência não te apazigua. Seria pedir demais. Mesmo assim, tantas vezes te amei e todas as vezes possíveis hei de amar-te, porque eu sou assim, diferente de ti. Não quero que me deixem em paz, quero o prazer e o inferno da dor. Porque afinal, não sei viver sem amor...

Rosa salmão

Pintei o quarto de rosa salmão. Pura meditação, me envolvendo em espera... Fiz o ninho assim gostoso; de mansinho, cuidadoso. pra seduzir você, o homem que vai chegar. Limpei o quarto com cheiro bom. Pura sedução, me fazendo pronta... Pronta demais, mas... querendo serenar no rosa salmão, afinal, feito pra seduzir e meditar. Deitei na rede em balanço lento, buscando equilíbrio da gana da sedução aflita com minha veia bendita, pra pensar e sentir as coisas, mergulhando nas ondas da vida tão finita.

Afetos na vida

Os afetos ocupam minha mente, meu tempo, minha vida. Se me alegram, quero perder-me nas horas, aproveitar cafunés, brinquedos, risos. Se me escapam, quero investir na conquista, treinar a cobiça, pedir pros santos, rezar missa. Mas, se me entristecem, deito na rede. Morro de sede. Afundo em pensamentos mil, querendo compreender..., afinal, o que aconteceu com o Brasil. Empenho energia nas crenças e nas razões, nas buscas de novos afetos; mais seletos, até que o movimento da vida tenha curado a ferida, e mais uma vez desprevenida, me envolva em novas teias, fazendo dessa vida uma vida cheia... de afetos!

Tão londe dos olhos...

Dentre os amores, tanto mais aconchego tem-se pelo longínquo. Quando me ligas ficamos despertos um pelo outro. Queremos ouvir o que o outro diz, queremos saber um do outro. Vê-se então que nada dizemos. Ficamos quase mudos querendo ouvir atentos, a um suspiro, à respiração; pra ver se assim chegamos mais perto, quase dentro de um mundo virtual que imaginamos pra abrandar a saudade do amor longínquo, tão dentro do coração...

Abri a janela: canção da espera

Hoje pensei em ti, toda hora; todos os últimos dias, na verdade. Lembrar de ti ocupa meus pensamentos, desocupa minha solidão. Olhei pra fora de mim e encontrei contigo. Começo a plantar esperança de afinar laços mais ternos, mais sinceros, laços de um amor diferente.
Germinam gerânios em minha janela. São frágeis os laços do amor. Cuidadosos. São cativos, deliciosos. Quero dedicar-me a paciência, brincar de ciência da espera, da paquera; tecer redes amarelas só pra combinar com a espera. Pois... germinam gerânios em minha janela. Penso em ti.