terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Eu preciso de mais tempo pra pensar

Não tenho saído muito de casa. Estou em férias. Já viajei e quero cuidar da casa. Saio quando esgota o prazo de abastecimento de comida. Nesta época do ano o balneário está muito povoado e não consigo lidar bem com muito movimento de gente. Sou cada vez mais lerda, fruto da idade e dos efeitos colaterais de medicamentos permanentes. Talvez por seqüelas de cirurgias neurológicas dos últimos anos, mas não quero acreditar muito nisto. Tento levar uma vida normal. Se bem que já nem sei mais o que é uma vida normal. O mundo parece absurdamente acelerado para meus parâmetros atuais.
Como disse, tento levar uma vida normal. Faço minhas obrigações de trabalhadora e cidadã, dona de casa e consumidora. Preciso ir às compras por mais que prolongue esta iniciativa. Odeio fazer compras. E não é por não gostar de gastar dinheiro não. É porque não tenho sido bem atendida no comércio e na prestação de serviços. É uma miscelânea de imperícia e estupidez que me dá vontade de fundar uma comunidade no interior dos cafundós e passar a não depender de nada que seja industrializado, informatizado, comunicado, em rede, em fashion, esquimbau.
As coisas são apresentadas para mim com uma má vontade quando solicito, a qualidade é péssima, os preços são exorbitantes porque não há nenhum critério lógico de tabela, a pressa no atendimento, ah a pressa no atendimento é o pior de tudo. Não disse ainda que das seqüelas neurológicas que carrego a mais incômoda é a síndrome do pânico. É uma loucura. Isto tem me afastado das pessoas e começo a me convencer que a reclusão é quase uma necessidade de sobrevivência.
Todo este depoimento foi motivado pelo episódio de hoje. Saí de casa depois de uma semana e fui ao supermercado. Correu tudo quase bem, mesmo tendo que lidar com uma atendente que pesava as frutas reclamando que estava na sua hora do café, sem me olhar e conversando com a colega do lado. Isto é muito comum hoje no comércio local. Você pode chegar toda alegrinha para o atendimento, mas a pessoa nem te olha.
Bem, vencido o momento do super inventei de ir comprar peixe numa peixaria próxima dali, numa rua paralela. Era perto, eu poderia agüentar mais um pouco antes de voltar pra casa. Estava tudo indo bem. Eu compraria o mesmo peixe que havia comprado semanas antes para fazer o almoço para minha tia e prima. Ficara bem gostoso e eu estava precisando me alimentar melhor. Já fazia dias que tentava terminar o grão de bico feito no sábado. Entrei na peixaria e fui logo pedindo o mesmo peixe. Não tinha. Isto já me desestruturou. Então a dona, uma mulher baixa e magra, com olheiras profundas veio me atender. Eu perguntara então pelo camarão. Só tinha o da lagoa. Este eu não como. Rejeitei e já atônita porque não sei comprar peixe e não saberia decidir rápido, já que as pessoas começavam a chegar ao recinto e parecendo certas do que queriam levar. Eu pedi então que ela sugerisse outro peixe. Já meio contrariada, ela mostrou-me outro, que achei muito escuro e deduzi que seria muito forte para mim. Perguntei pelo côngruo rosa e ela me mostrou um filé muito fininho. Eu fiquei indecisa, levei o dedo indicador na vertical tapando a boca pensando se levava ou não. A mulher guardou o peixe e me disse sem demora que eu poderia ir numa peixaria mais adiante que lá talvez eu encontrasse o que queria. Fiquei em choque. Custei a cair na real. Percebi que ela estava irritada com minha indecisão e só consegui dizer com calma e meio sem graça: a senhora está me correndo, tudo bem. Eu vou embora. Nesta última frase vi minha voz sumindo e me dirigindo para a porta de saída, pensei em correr pra casa, mas resolvi tentar na outra peixaria. Cheguei lá meio amortecida, meio em estado de choque, minha voz nem saía da boca. Perguntei ao homem bonachão ali sentado que peixe ele teria para fazer ensopado. Ele logo me sugeriu 3, mas com uma serenidade tamanha que se não tivesse um peixe que me agradasse eu teria levado o homem pra casa. Ou pelo menos teria tentado.
Depois de atendida e enquanto pagava pelo peixe que levei, contei a ele com as mesmas palavras que narro aqui e ele, na sua serenidade, me disse: azar dela, aqui a senhora será sempre bem-vinda, pode levar o tempo que precisar pra decidir. Eu ainda tremia. Fiquei surpresa com minha fragilidade diante da estupidez da mulher. Com certeza nunca mais voltarei naquela peixaria. Não vou me expor a estes lugares onde a pressa comanda as relações humanas.
Não creio que eu tenha que me sentir culpada por estar indecisa na escolha de alguma coisa. Não vou levar pra casa uma coisa que vá detestar porque o mundo resolveu me forçar a engolir goela abaixo sem pensar nos meus interesses, sem procurar saber o que é melhor pra mim. Não vou ser regulada pelo tempo do mundo. Preciso de mais tempo pra pensar.
Talvez eu tenha que me fortalecer pra revidar a este tipo de ignorância com palavras mais duras e não deixar que pessoas sem noção como estas me ameacem. Mas isto não é o mais importante porque consegui chegar a casa bem, elaborei a situação e preparei o peixe na fineza. Mas antes, pensei bem como iria prepará-lo. Deixei ali no tempero por uma hora, enquanto tomava um chimarrão no jardim. Passado o tempo fiz um molho no capricho e só depois coloquei o peixe. Hummm....ficou uma delícia. E como ando valorizando o meu tempo. Logo depois do almoço, fiz um chá de limão bem gostoso e saboreei com o olhar perdido no nada. Nada como perder-se no tempo e esquecer a estupidez do mundo.