domingo, 28 de fevereiro de 2010

Que vida boa

O vento chega mansinho e acordo do estado letárgico debaixo do sol. Percebo que o calor intenso não era de um cobertor. Eu dormia no jardim depois das quinze horas. O tempo voou e já nem lembrava onde estava. Eu me esqueci de mim e entrei no mundo dos sonhos. O vento não queria me acordar, mas ele é assim estabanado. É sua natureza, o que se há de fazer? Não fiz caso, deixei que ele me percorresse toda e disputasse minhas sensações com o sol. Quente e fresco, quente e fresco. Fique ali, sem pensar nas horas, sem ligar pro tempo, sem saber o que faria a seguir. Parece fim de estação, o sol já não é tão vilão. Como é bom me perder assim e ficar só existindo, só pedindo mais da vida. Vida boa.

sábado, 27 de fevereiro de 2010

Estilo

Sem roupas no armário. Tralhas antigas que ficam grandes. Calçolas poídas. Meias furadas. Cheia de sandálias que machucam os pés. Comprar mais roupas. Mas que estilo? Precisa ter? Gosto do preto. Quando disse que iria comprar uma blusa preta, um conhecido me disse, quando eu já me afastava: 'cuidado com o preto!'. Fui pra casa pensando sobre o que ele quis dizer. Será que se trata de um trocadilho? Enfim, não importa. Não deu tempo pra saber por quê. Seja qual for o sentido, gosto de preto.
Preciso comprar roupas, mas a preguiça para ir ao centro da cidade é maior do que a vontade de ter as roupas. Quem me dera ter uma mascate que viesse oferecê-las na porta. Uma amiga disse que tem um que vende roupas bem legais. Ele vem em casa. Que beleza. Quem sabe? Eu estaria feita. Afinal, já tenho uma manicure ótima que até pinta meu cabelo. Até uma fruteira que entrega em casa eu já consegui. Sair de meu refúgio secreto pra fazer coisas que não gosto está cada vez mais difícil.
Quero estar elegante, sem castigos extremos, mas elegante, apresentável, mas daí a ter um estilo já é um grande problema. É por isso que vejo no preto uma boa solução. Ele absorve todas as cores e nos protege de energias negativas. Ai, e como as energias estão duvidosas por aí. Não há uma vez que não saia de casa e não encontre gente deprimida. Acho que é uma pandemia. Dá-lhe preto! Dá-lhe!

Viver de amor

Eu parecia tão certa que enfim aprendera a odiar. Via-me no abandono e cheia de raiva e rancor. Estava preparada para odiar, embora lutasse contra sentimentos de ódio exagerado. Afastava do pensamento maldizeres ao vento com ou sem tempestades. A confusão habitava em mim. Eu que toda a vida construira tantos castelos de paixões, histórias ensaiadas de felicidade e de ternura. Todos os castelos ruíam afinal e eu nem me abalava. Mas desta vez eu não estava preparada. Fui pega de surpresa.
Nos dias seguintes aos desmoronamentos eu abria 'novos editais' e ficava disponível a novos candidatos. Era a consciência de que o amor mora em nós e sempre que necessário plantamos mudas dele em terrenos férteis, para que floreça e nos faça feliz. É um misto de necessidade de compartilhar a vida e fuga da solidão. Ou sei lá.
Mas mesmo sendo capazes de criar estes cenários somos muito distraídos. Quando menos esperamos todos os castelos podem vir abaixo.
Talvez o grande barato de amar seja quando continuamos amando o ex-habitante de nossos castelos. Pois foi o que me aconteceu. Um belo dia, depois de exaurir minhas forças para odiar, havia perdido essa motivação. Meu coração recuperou memórias e só conseguia lembrar que só consegue amar. E daí em diante o amor pelo homem que partiu passou a ser uma boa companhia. Aquele amor do começo, dos momentos felizes e mesmo da crise. Foi um grande amor. E como diz Roberto, um grande amor não morrer assim.
Por mais que o mundo me dê motivos para odiar, o amor é minha base. O amor ainda mora em mim. Eu só sei viver de amor.

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Pensamentos 2

Perder peso é bom. É como se o mundo saísse de nossos ombros. Comer pouco, coisas seletas, ração humana, racionalizada para manter a energia. Ingestão de emergia, subsistir. Coisas pequenas, limpas, digestivas, cozinha limpinha, geladeira iluminada. Outro ânimo, como se fosse autosustentável. Sobreviveria no deserto por alguns dias? Sei lá, só sei que sinto meu corpo diferente, como se governasse todo ele a um só comando. Vou virar faquir? Acho que não. Tenho muita gordura pra queimar antes de suspeitar disto. A percepção do tônus muscular é que é o grande barato, é como se eu inteira estivesse espalhada pela matéria que me constitui. Não é pra menos que isto pode virar um vício. Isto, a consciência corporal. Uma mente não é mente se não estiver integrada ao corpo que a sustenta com consciência. Meditação e exercício significativo levam a esta consciência. Digo significativo ao exercício realizado quando fazemos alguma coisa que não seja o puro movimento do corpo. É significativo quando limpo a casa, por exemplo, ou quando caminho na praia ou quando arrumo as coisas para por ordem às rotinas que organizo para dinamizar a vida.
É tudo muito bom, mas ainda falta o principal, aprender a respirar corretamente, isto é, lembrar de respirar corretamente. Eu estou descobrindo outra consciência, a mente vivida no meu corpo vivificado. Penso, logo me movimento.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Pensamentos

Difusos, confusos, ensaiados, apavorados, ansiosos. Cachorras correndo no quintal, deu loucurinha, rasgam a última toalha de brinquedo. Não tenho mais toalhas. Já guardei os cobertores, senão não terão o que as aqueça no inverno. Posso botá-las comigo na cama. Cama quentinha, limpinha. Quarto arrumado, um rouperio de cada lado. Luminária nova, tapetes. Livros pra botar no lugar. Poeira, pano úmido, cadeira, escrivaninha. Mãos aquecidas pelo computador. Compra um novo, não tenho mais dinheiro. Gastei horrores com pscina. Grande luxo, uma mandala de água, uma pira. Fogo, jardim, água, vento. Lugar pra meditação. Preciso vencer a preguiça. Tenho feito muita coisa na casa. Tenho me esticado, carregado peso, feito abdominais. Lá se foi o marasmo. Nem lembro mais. Sinto outra dentro de mim. Estranha, mas outra. Descobrir que não sou tão legal assim tem me ajudado bastante. Os sentimentos mesquinhos podem invadir o coração de qualquer um. Passamos a vida achando que somos maravilhosas e acabamos por descobrir que a grandeza é um balão perdido nas nuvens. Aceitar a pequenez talvez seja a grande lição de vida. Aceitar ser nada além de nada e debruçar-se na fofura das nuvens do nada. É um raro prazer...

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Dieta da solidão

experimentei estes momentos ao longo da vida, nestes 53 anos, e nem sempre reconheci o valor como o tenho feito agora. Viver sozinha tem seus momentos. É claro que o dilema entre viver só e acompanhada se evidencia quando pensamos nas perdas e ganhos da vida a dois. Mas quero falar da dieta da solidão. É verdade mesmo que quem vive só, só come quando tem fome. E saber organizar a vida em torno disto é muito legal. É preciso ter em casa aqueles alimentos fáceis de preparar ou simplesmente pegar na geladeira ou no armário e consumir sem nenhum preparo prévio que demande muito tempo antes da fome. Pensando nisto, adotei a dieta mediterrânea com aquelas sementes todas, cereais e castanhas e sucos de frutas frescas, peixe, muita água mineral, água de côco geladinhas. Carne, uma vez ao mês; mais que isto é exagêro, mas até pode acontecer uma vez por semana. A cozinha está sempre limpa e sobra espaço na geladeira. A rotina alimentar, como o resto da lida doméstica, transcorre sem estresse. Acredito que a questão da alimentação é um dos fatores de muito estresse na vida vivida em família. Aquela história de ir ao supermercado e perambular com o carrinho cheio de coisas e depois ter que chegar em casa, descarregar tudo e guardar. Ui, sempre abominei isto. É claro que sei que muitas famílias no mundo gostariam de ter este trabalho ao invés de passar por necessidades. Talvez a minha abstinência alimentar suavize o meu desdém, sabendo da situação delas. Solidarizo-me com a situação do mundo, mas não deixo de ser uma pessoa com identidade própria e abnegada pela condenação à liberdade, como diria Sartre. É, a dieta da solidão também tem me oportunizado voltar a ler escrever. Leio a qualquer hora e em qualquer lugar da casa sem importunar ninguém e sem ser interrompida nos meus devaneios. Isto não tem preço e não há cartão de crédito que pague. Há muitas coisas que não têm preço vivendo-se uma dieta da solidão, como ir dormir na hora em que se quiser e acordar a qualquer momento e acender a luz sem perturbar ninguém. Pode-se inclusive perder o sono e decidir fazer coisas pela casa sem parecer um camundongo esperto. Eu não posso esquecer da validade da dieta da solidão. Talvez eu tenha nascido para viver nesta dieta e por isso não tenha conseguido manter casamentos baseados em assumir papel de esposa de alguém. Eu não nasci pra ser esposa, embora adore estar apaixonada. O problema é que toda a vez que me apaixono, me perco dessa memória. Simplesmente esqueço que a dieta da solidão, para mim, é o melhor caminho para a liberdade. Talvez eu devesse fazer um anúncio para encontrar alguém que usufrua da própria liberdade e admita uma dieta da solidão estando junto.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Perdão pra ser feliz

Hoje acordei de um sonho místico. Sonhei que estava banhada de perdão. Meu coração pressentiu que meu lado direito do cérebro havia funcionado mais. Talvez porque meu lado esquerdo tenha sofrido danos graves depois de minhas últimas peripécias cirúrgicas. Conta-se que o lado direito não é muito utilizado e talvez ali esteja o que o ser humano precisa desenvolver mais: capacidades de transcender a sentimentos e razões já conhecidas. Eu estava banhada de uma paz indescritível. Foi muito interessante porque assisti a uma entrevista ontem sobre uma mulher neurocientista que sofreu danos temporários no lado esquerdo do cérebro, precisou reaprender a falar e a se movimentar, porque ficou paralizada, e experimentou sentimentos de paz nirvânica. Acho que fui dormir acreditando que preciso reencontrar esta minha capacidade de estar em paz e repleta de tolerância, porque só assim posso ser feliz. Quero me embriagar de perdão até que as lembranças me esqueçam.
As coisas em minha vida têm se acomodado de um jeito tão legal nos últimos dias, apesar das tormentas de um passado recente e de problemas domésticos em processo de resolução, que sei agora que o que me resta é me preencher de perdão e tolerância com as outras pessoas. Isto não significa que possa aceitá-las novamente em minha vida, mas que elas possam desabitar meus pensamentos, meus sentimentos, meus sonhos, meu dia-a-dia, meu futuro. O sentimento de perdão talvez seja mais sublime do que o amor. Eu quero me banhar de perdão e esvaziar minha banheira de lágrimas.