quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Atleta fajuta

Quando se fica muito tempo sem testar nossa resistência e nos aventuramos a vestir a fantasia de atleta, descobrimos logo que nosso desejo de voar é maior do que nossas asas. Depois de 3 dias nesta terra abaixo de chuva e demais garoas, enfim fez-se o sol maravilhoso trazendo vida ao lugar e o alvoroço de roupas nas cordas, pessoas nas ruas falando alto; e tudo se ajeitando para o início da semana. Resolvi me fardar de atleta e sair a caminhar para conhecer o bairro de perto, sentir os cheiros, os caminhos, o ritmo dos moradores. O sol já ia alto quando enfim saí. Decidi o lado e me fui rua acima em busca da principal que me levaria ao centrinho dos Ingleses. São ruas estreitas e com calçadas mais ainda. É preciso ter certo cuidado, mas nem tanto porque o movimento é lento, um que outro mais afobado, mas nada que assuste uma palerma como eu, que quase não saía de casa.
Caminhei até quase botar os bofes pra fora. Falei com algumas pessoas para conferir meu senso de direção. Foram todos muito gentis. A certo ponto, quando já pensava em retornar, achei melhor dar uma parada e pensar um pouco na vida. Nada melhor do que um expresso com pão de queijo pra isto. Perguntei a um homem, que estava na esquina, onde teria uma cafeteria. Ele prontamente estendeu seu braço nu me apontando uma galeria e disse: entra ali que vais achar logo uma cafeteria, diz que foi o cabeludo que te mandou. Agradeci, entrei na cafeteria, pedi o café e o pão de queijo e disse quem havia me mandado. O atendente riu e disse: pois não, a senhora fique a vontade que já lhe levo na mesa.
Tomei o café e saboreava o pão de queijo, quando fui interrompida por uma candidata que logo descobriu que não sou eleitora deste estado. Mesmo assim, meio constrangida, insistiu em anotar seu nome em meu caderno de anotações, que já estava sobre a mesa. Agi com naturalidade para não constrange-la, e me dei conta do quanto esta mudança resultará na criação de novas rotinas, de novos desafios, novos encontros e principalmente de muita resistência física, porque ao relaxar, sentada lá no café, senti como se quisesse abraçar o mundo, como se o lugar sendo pequeno fosse fácil eu sair por aí a pé. Não é bem assim. Mesmo para as caminhadas exige uma estratégia e muito preparo físico para que eu não me veja exausta, longe de casa, meio desolador isto.
Navegar é preciso, mas há que se garantir um salva-vidas.

segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Mudança de lugar

Já fazia bastante tempo que eu precisava de um renascimento, sair da concha fóssil em que havia me enfiado. Foram muitos anos amargando arrependimentos e mágoas. Foram todos lavados e evaporaram com as lágrimas. Há sempre um tempo pra tudo. Tempo para afundar e tempo para emergir. Estou em fase de emergência, subo como o golfinho que quer brincar na superfície. O espaço é como as ondas do mar, me cativando a flutuar e deixar a vida me levar.
Mudei e fim. Vim pra Floripa morar de aluguel, vim para ver o mundo com outros olhos e descobrir novas palavras para escreve-lo. Busco novas experiências mundanas, leves, sem cobiças ou necessidades de autoafirmações. Não almejo ser uma grande escritora e muito menos fama, já passei da hora disto, quero a escrita pelo prazer de me envolver com as palavras para expressar o que vejo e o que sinto.

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

O colar de minha tia

Passei a manhã arrumando gavetas. Assistindo programas sobre acumuladores compulsivos, descobri que sou uma anti acumuladora, quase compulsiva. Acho que pode-se dizer que sou obsessiva sim. Sempre senti fobia por ter muitas coisas. Muitas vezes fui motivo de chacota, porque as pessoas não acreditavam que eu não gostava de ter muitas roupas, bolsas e sapatos. Depois vieram os objetos e utensílios de casa, móveis e coisas que não estava usando. Quando descobri a filosofia feng shui meus problemas acabaram. Eu sempre descartei o que não estava usando, estava bem de acordo com aquela forma oriental de ver o mundo. Por algum tempo vivi sem preocupações com a compulsão por não acumular e sentir a necessidade de ver os espaços amplos e desocupados. Geladeira vazia pra se ver a luz dentro dela, gavetas com as coisas a vista, móveis desencostados da parede no mínimo 10 cm, tirar as embalagens de tudo que entrava em casa e já colocar para o lixeiro levar, pátio sem nenhum acúmulo que eu não pudesse ver as paredes limpas. Tudo parecia normal até que comecei a querer doar tudo que eu não pudesse limpar diariamente, tudo que eu não estivesse usando. Num círculo vicioso passei a me desinteressar por tudo que estivesse a minha volta. Inconscientemente passei a exercitar o sentimento de desapego das coisas, a reduzir sua importância pelo valor de uso e de troca. Não valendo nada a obsessão por me livrar delas aumenta exponencialmente a ponto de colocar no lixo limpo bem embalado se não encontro ninguém para doar. Decididamente, eu não quero ter mais nada. É uma doença? É um estado de espírito? É um processo de amadurecimento espiritual? Não tenho a mínima ideia, porque isto é um sentimento que me domina. 
É claro que não estou disposta a viver sem energia elétrica e água potável, muito menos sem o conforto de uma casa ou apartamento. Quero inclusive envelhecer numa pequena cobertura com vista para o mar e longe do barulho natural da juventude. Mas me bastará o básico que não ocupe muito espaço em 80 a 100 metros quadrados. Também caberá que o condomínio tenha piscina e jardim, que não serei eu a limpá-los.
Pois em toda esta limpeza rotineira me deparei com o colar que foi de minha tia materna. É uma peça de gosto duvidoso, confeccionada de jade trazida pelo marido dela quando foi à Itália pela primeira vez, há uns 50 anos. Ela detestou o tal colar porque alegava que fora comprado de última hora, pois não tinha um feche adequado ao material utilizado. Coisa que entendedores de joias como ele, que era dono de uma fábrica do ramo, deveria saber. Diante das discórdias do casal minha mãe se ofereceu para ficar com o colar. Exibindo-o como uma joia italiana passou a usá-lo com frequência. Lá pelas tantas minha mãe encheu-se do colar e o deu pra mim. Segui a tradição familiar e o usei bastante nos anos 80. Depois o deixei pelas gavetas pra ser avaliado se ficava ou se seria doado durante as fases de desapego. Hoje pela manhã, novamente admirei o colar e me passou pela cabeça enterrá-lo no jardim para ser encontrado por um arqueólogo do futuro. Ele não pertence mais ao presente, sua história, que envolve 3 mulheres e um maldito viajante que o trouxe para sua esposa, parece ter algum sentido. Olhar este colar me lembra de que ele é o colar de minha tia, não era de minha mãe e nunca foi meu. Ele é feito da terra, de jade, e é para lá que ele vai voltar. E eu seguirei meu caminho, minha filosofia de me desapegar. Adeus colar!

sábado, 15 de fevereiro de 2014

Afinação

Como é difícil voltar a escrever depois de tanto tempo. Como é difícil ficar sem escrever tanto assim. Eu precisava de espaço, limpar minhas mágoas, lágrimas e pensamentos obsessivos. Tinha que me entregar um pouco e ficar ali, no meu canto, tentando entender o que acontecia comigo. Foram muitas noites e dias de recolhimento e reflexões doídas e doidas. Fui ao inferno e descobri que o céu não existe. Ele não existe quando estamos mal fadados ao abandono. Aprendi que se nos abandonam, devemos também nos abandonar e tentar encontrar a razão de todo o cenário. De longe de nós mesmos olhar nossos erros e acertos e compreender porque buscamos fazer junto o que podemos fazer separados do mundo. Somos seres que passam por aqui rodando sua própria roda da vida e se encontramos outras rodas é só de passagem, elas têm o próprio caminho a trilhar. Agora, enfim, estou trilhando o meu, sempre estive, mas agora tenho uma consciência mais clara disto e admiro isto em mim. É como se vivesse em clarividência permanente. Uma viagem. Eu gosto de mim muito mais agora do que sempre gostei. Sou uma pessoa íntegra, forte e que ainda vê a beleza em alguns pedaços do mundo apesar de toda a feiura reinante. Estou viva, limpa dos medos, livrando-me de segredos e quinquilharias. Quero espalhar minhas coisas por aí, desfazer-me de pesos na bagagem. Desapegar-me de objetos, utensílios e autorias. Pretendo me mudar de lugar, morar longe daqui, uma casa nova, pequena, com poucas coisas, só o essencial. Levarei meus cachorros e uns poucos metros cúbicos de pertences. Lá comprarei tudo novo, simples, pouca coisa, mas tudo novo, com cheiro de novo, sem lembranças. Não tenho mais medo do esquecimento. Vivo em abandono total, como em queda livre para os confins do inconsciente desfazendo fronteiras com a consciência do mundo. Quero lembrar do agora, com pouca agenda, pouca rotina, simples, imediata. E sobretudo, quero prestar pouca atenção na manipulação social. Acordarei de noites bem dormidas, contemplarei, criarei, dormirei e se ainda for possível, amarei, muito.

terça-feira, 18 de junho de 2013

Digo

Poderia escrever mais, entregar-me à escrita, aperfeiçoar um estilo, dar tudo de mim, chegar ao esgotamento das buscas pelo inédito,  pelo não dito. Que ilusão estaria alimentando se acreditasse nisso. Não há muito o que ser dito ou inventado a não ser viver as rotinas com alguma dignidade. Não me interesso mais pela criação da obra, mas por descobrir obras de quem já acreditou ser possível criar o inédito. Por isso, hoje me perco em aquisições de livros belos, estimando as imagens e poucos conteúdos escritos.  A botânica, os jardins, fauna, flora, fotografia. Quero a beleza do dito sem palavras. E das palavras, desejo-as poucas, em poesia consagrada, sem medo da perda de tempo em descobri-la. Afinal, nem tanto tempo eu tenho para esta nova fase de ouvir aqueles que me legaram sua criação. Eu quero aconchegar-me na história da arte e da natureza e bebe-las como licor de amêndoas, bebericar, servido passo a passo, guardando a garrafa no armário pra ter que me levantar cada vez que quiser calibrar o pequeno copo de cristal. Eu quero fazer pequenos passeios e registrar imagens em minha câmera fotográfica pra poder admirar várias vezes mais tarde, descobrindo minha amadora astúcia técnica e meu olhar poético do mundo que ainda consigo ver. Isto não é desencantamento, ou pessimismo ou coisa pra se dizer num leito de morte não. Isto é a celebração da consciência de uma gratidão pela vida que não tem medida.

quinta-feira, 11 de abril de 2013

Política e Religião



Novos tempos, velhos templários. Partidos políticos perderão vagas. Religiões formarão guerreiros, divisões, retrocessos, pragas. Mídias, opiniões vagas virando corrente, leis, apenas virtuais. Ativando-se repressões, sem saber mais se realidade ou ficção, tudo resultará em puro cinismo, sem mais ideias, apenas lembranças. Um dia sonhamos com a solidariedade e nem chegamos a vivê-la. Mas quando alguém ouvir um som além ou sentir o cheiro forte do cimento, saibam que em algum lugar, um insano atômico e centrado, bem mais perto do maquinário, clicou no botão só pra ser o último templário. E aí, manos e manas, acabarão todas as preocupações mundanas. Sempre irônica, em vias de ser pulverizada eu lembraria que agora ninguém mais representaria ninguém. Poeira ou alma, vagando por novos territórios, sem tempos ou templários.

sexta-feira, 6 de julho de 2012

Redenção

Um dia de chuva perfeito pra chorar junto. Tenho que me redimir pela minha falta de amor. Por não amar e não ser amada o bastante pra ser compreendida e aceita como sou. De uma vida de tantos amores e dores acompanhantes fiquei sem saber afinal o que é ser amada pelo que sou. Ou pelo menos não consigo lembrar a sensação. Como uma mulher pode ser amada pelo que é e pelo que pode dar? Parece que já não tenho mais tempo para descobrir ou lembrar disto. Já perdi a conta de minhas vãs investidas e tentativas de amar e ser amada pelo que sou, pelo que posso dar e fim. A pressa e a invasão do outro são coisas insuportáveis para mim. Sou do tipo humano que odeia a pressa. Meu tempo é cada vez mais lento e não sei conviver com o assédio impaciente. A necessidade de atenção física e mental do outro é assustadora para mim. Se quiserem chamar isto de um tipo de toc e banalizar meus sentimentos vá lá que seja. Eu aceito, e daí? 
Tenho bem claro o estrago que minhas tentativas de atender às necessidades do outro tem feito em minha vida. Não é pouco o que tenho sofrido por me desdobrar em esforços de acompanhar o tempo que não é meu, é sempre do outro. Decididamente sou uma pessoa lerda, lenta, devagar, infinitamente terna e reflexiva. Não sei ser diferente. Não suporto ser invadida. Preciso de espaço físico e temporal. Gosto da lendidão da espera e da proximidade espontânea, aconchegante. De onde tirei isto não sei. Sou assim e não devo explicações, é minha natureza e não vou me deixar levar pela cultura que me rodeia, onde tudo é fast. Minha redenção é comigo mesma. Nada e nem ninguém vai me apressar mais neste resto de vida que pretendo viver em paz com meu tempo de funcionamento. Nada e nem ninguém vai me desrespeitar por ser diferente da maioria. Sou assim, reflexiva, lenta, e para os que sabem aguardar, extremamente ardente e carinhosa.

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Feito pelo não feito

Ela queria isentar-se do mundo, ficar a mingua, só, esquecida por toda eternidade. Já não sentia o fisgado da espera, da alegria do encontro e então parava de respirar por mais segundos do que deveria. De sopetão percebia que sua imaginação estava fora de controle nos últimos dias. Ela queria muito amar o novo pretendente que viera do espaço, direto para sua casa, seu lar, seu lugar de sossego, o esconderijo dos internautas. Foram tantas as apostas de que estaria livre para amar quem quer que fosse, qual fosse a história de seu pretendente. No entanto, a história dela não estava pronta. Tentara fazer os últimos rabiscos, os últimos acertos de parágrafos incompletos, mas fora em vão. As vírgulas e pontos, postos em dúvida, saltavam aos olhos da própria leitura e foi então que se retesou, suspirou, sentiu o aperto de cinta no peito e desmaiou em desespero. O amor que chegava, chegava tarde no seu tempo de amar.
Já havia se acostumado por tanto tempo a sentir-se celibatária de todo e qualquer tesão ou sentimento de amor que não sabia como lidar com novos encontros. Não podia atender à aflição do amante pretendente que confessava urgência nos chamegos e prazeres de exaustão, gerados apenas pelo amor correspondido enredado de raízes da terra. Cobrada pelas raízes pode perceber que seu coração se fez em pedra e já não sabia germinar gerâneos. Percebendo esse terror de emoções tratou de dizer adeus antes que as raízes dele fincassem demais seu terreno e se perdessem de outros solos mais amantes e afoitos. Disse-lhe adeus em puras tolices fortes pra ser radical no punhal da desilusão, pra desimpedi-lo de sonhar retorno.
Desejando que fosse feliz, do que restava do fundo de seu coração, ela empurrou seu barco a deriva, apostando nos ventos e no amor das sereias do espaço de onde ele veio.

domingo, 24 de junho de 2012

Primeira paixonite

Sem nenhum esforço veio-me à lembrança a primeira vez que percebi o que é estar apaixonada. Dormia um sono bem leve, quando de repente um pranto involuntário me invadia, acordando minha mãe que dormia no mesmo quarto. Ao me perguntar porque chorava respondi que achava estar apaixonada pelo guri que falou comigo naquela noite. Minha mãe sorriu e disse que entendia o que eu estava sentindo e que isto é assim mesmo. E eu dizia, mas dói, uma dor aqui no peito. Claro, disse ela, é por isso que a gente chama de dor do coração quando estamos apaixonadas. Ela então perguntou por quem eu estava sentindo aquilo. Contei que o conhecera naquele final de tarde quando olhava a vitrine da loja de variedades da esquina de casa. Ele veio do nada, nunca o vira antes, e me disse que eu era linda e quando meus amiguinhos se aproximaram ele foi embora e nunca mais o vi. Até hoje fico pensando quem seria aquele menino. Parecia ser mais velho mas não muito. Ele era tão lindo e meigo. Talvez tenha sido o modelo de homem que fiquei procurando a vida toda. Alguém que visse beleza em mim, que me adulasse e me fizesse sua linda. No entando, ideal é ideal e já não se faz mais meninos como antigamente. Sei lá. Mas foi bom demais lembrar de minha primeira paixonite. Com o tempo esquecemos que a dor no peito causada pela paixão não é voluntária. Não adianta tentar dirigir o gostar, ele acontece quando quer e não há nada que se possa fazer. Ninguém manda no coração.

quinta-feira, 21 de junho de 2012

O trampolim

Ele se balançava no trampolim natural fixado no alto das pedras. Ela dizia pra ele, com a voz quase sumida pela arruaça das ondas: não se atire daí assim, a maré pode recuar e vais te estatelar nas pedras! Ele não lhe ouvia, estava eufórico e impressionado pois a conhecera naquele dia e sabia que a amaria para sempre. Sem conter o pânico, por temer que o louco apaixonado se precipitasse de tanto amor, a amada gritou pra ter cuidado e foi logo prometendo que o amaria pra sempre fosse qual fosse o destino dos dois. Ah, a paz reinou na paisagem e ambos correram um para o outro porque o abraço esperava por eles no meio do caminho. Selavam ali uma história que qualquer pessoa gostaria de passar adiante. Ele estava disposto a viver aquele amor sem se importar com as conseqüências, ela já estava encantada com o cavaleiro solitário que exibia uma armadura de aço, forjado por muitas histórias loucas. Olharam-se nas almas e pularam então daquele trampolim. Apostaram na espera da maré por sobre as pedras como um grande balanço de espumas brancas com mil peixinhos pra acariciar seus corpos nus. 

A quem quiser, que passe adiante ou conte outra.

quarta-feira, 20 de junho de 2012

O tempo da delicadeza

Como eu poderia saber que estes dias chegariam, o tempo da delicadeza? Foram tantos momentos abruptos na vida, tantos dias de extrema insatisfação, tormentos de paixões mis vividas ao extremo. Tantos foram os caminhos experiementados pra chegar ao lugar da paz de espírito, da sensatez. Tanta espera preguiçosa no sofá mais confortável da sala, que agora pouco importa. 

A memória em luz mais parece um arquivo indiferente, dotado de noções pra desenhar minha história. Está tudo tão claro como nunca. Ela pode ser revista com mais lucidez e calma poética como jamais havia imaginado. A angústia virou uma palavra sutil para descrever a ansiedade inquieta, brotada das sensações de impotência. Toda a angústia experimentada flui na vaga música ouvida pelos dons de ouvido, tão raros nos dias de hoje, e se transmutará em perfume do pó das estrelas que aprecio nas noites quietas de meu jardim.

Enfim, deixarão espaço para memórias tênues de conversas noturnas ao telefone com alguém recém conhecido, de história trágica contada em livro, mas que preserva em reservas escancaradas uma ternura de criança de quem queremos cuidar e mimar. É o tempo da delicadeza que se aproxima de mim, que remete a minha natureza cuidadora do mundo e me dá mais uma chance de mostrar que aprendi a lidar com a vida. A vida, que esteve sempre por perto enquanto eu me refugiava em mim mesma, nunca desistiu de mim. 

Ela sempre soube que eu ressurgiria das cinzas para viver o tempo mais precioso da existência, o tempo de contar nossa história de outra forma, com outras palavras, com outros sentidos, em que todos os atores são heróis de si mesmos. Um tempo de lembranças guardadas de que os laços que nos uniram são fitas mimosas das roupinhas de bebê que todos usamos algum dia. No dia em que fomos todos iguais, quando deixamos fugir a delicadeza para reencontrá-la mais tarde, como agora encontro a minha, no meu tempo da delicadeza.

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Garoa fria

Um dia como este, assim frio e úmido, em que posso ficar em casa e fazer meu próprio horário, meu próprio tempo, me dá a ilusão de que enfim sou livre. Posso fazer o que eu quiser e posso também fazer nada, sem culpa, sem remorso, sem ter que dar explicações de minha inutilidade. O clima lá fora não é convidativo a sair e fazer coisas, olho minha agenda mental e vejo que qualquer compromisso que pudesse ter pode ser adiado. Ah, como adoro adiar fazer o que precisa ser feito. Hoje posso fazer isto e dar o nome de liberdade de escolha. Há quem diga que o jubilamento do trabalho pode deixar alguém deprimido. Eu digo que minha depressão vai embora a cada dia. Poder ser eu mesma, meio anti-social, seletiva, e dada a me interessar por coisas que a maioria não se interessa me dá um infinito prazer de viver. O que posso dizer se amo o sol, mas passei a amar também a garoa fria se posso ficar em casa debaixo de cobertores lendo um bom livro? Obrigada vida por ter me oportunizado experimentar isto.

domingo, 17 de junho de 2012

Vamos retomar a escrita?

Li um livro (Fé na Estrada, de Nolsen Rodrigues) semana passada que me deu novo entusiasmo para a literatura confessional, ou pelo  menos pelo que eu esteja entendendo que seja isto. Prometo-me que vou pesquisar mais a respeito. Parece que tenho um trabalho a fazer para minha família e eu. Preciso nos ver através de minhas percepções e acertar as coisas. Linkei aqui também de forma mais clara as minhas composições hospedadas no site garagem.mp3 pra me lembrar que tenho jeito pra coisa e que também posso continuar buscando parcerias pra fazer isto. Quem sabe voltar a aprender a tocar violão ou o piano, quem pode saber? Estão os dois instrumentos largados em minha sala fria. Bah, preciso providenciar a lareira nova pra esta sala gente, que frio faz aqui depois que demoli a antiga. Bem, queria deixar resgistrado aqui estes últimos progressos.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Eu preciso de mais tempo pra pensar

Não tenho saído muito de casa. Estou em férias. Já viajei e quero cuidar da casa. Saio quando esgota o prazo de abastecimento de comida. Nesta época do ano o balneário está muito povoado e não consigo lidar bem com muito movimento de gente. Sou cada vez mais lerda, fruto da idade e dos efeitos colaterais de medicamentos permanentes. Talvez por seqüelas de cirurgias neurológicas dos últimos anos, mas não quero acreditar muito nisto. Tento levar uma vida normal. Se bem que já nem sei mais o que é uma vida normal. O mundo parece absurdamente acelerado para meus parâmetros atuais.
Como disse, tento levar uma vida normal. Faço minhas obrigações de trabalhadora e cidadã, dona de casa e consumidora. Preciso ir às compras por mais que prolongue esta iniciativa. Odeio fazer compras. E não é por não gostar de gastar dinheiro não. É porque não tenho sido bem atendida no comércio e na prestação de serviços. É uma miscelânea de imperícia e estupidez que me dá vontade de fundar uma comunidade no interior dos cafundós e passar a não depender de nada que seja industrializado, informatizado, comunicado, em rede, em fashion, esquimbau.
As coisas são apresentadas para mim com uma má vontade quando solicito, a qualidade é péssima, os preços são exorbitantes porque não há nenhum critério lógico de tabela, a pressa no atendimento, ah a pressa no atendimento é o pior de tudo. Não disse ainda que das seqüelas neurológicas que carrego a mais incômoda é a síndrome do pânico. É uma loucura. Isto tem me afastado das pessoas e começo a me convencer que a reclusão é quase uma necessidade de sobrevivência.
Todo este depoimento foi motivado pelo episódio de hoje. Saí de casa depois de uma semana e fui ao supermercado. Correu tudo quase bem, mesmo tendo que lidar com uma atendente que pesava as frutas reclamando que estava na sua hora do café, sem me olhar e conversando com a colega do lado. Isto é muito comum hoje no comércio local. Você pode chegar toda alegrinha para o atendimento, mas a pessoa nem te olha.
Bem, vencido o momento do super inventei de ir comprar peixe numa peixaria próxima dali, numa rua paralela. Era perto, eu poderia agüentar mais um pouco antes de voltar pra casa. Estava tudo indo bem. Eu compraria o mesmo peixe que havia comprado semanas antes para fazer o almoço para minha tia e prima. Ficara bem gostoso e eu estava precisando me alimentar melhor. Já fazia dias que tentava terminar o grão de bico feito no sábado. Entrei na peixaria e fui logo pedindo o mesmo peixe. Não tinha. Isto já me desestruturou. Então a dona, uma mulher baixa e magra, com olheiras profundas veio me atender. Eu perguntara então pelo camarão. Só tinha o da lagoa. Este eu não como. Rejeitei e já atônita porque não sei comprar peixe e não saberia decidir rápido, já que as pessoas começavam a chegar ao recinto e parecendo certas do que queriam levar. Eu pedi então que ela sugerisse outro peixe. Já meio contrariada, ela mostrou-me outro, que achei muito escuro e deduzi que seria muito forte para mim. Perguntei pelo côngruo rosa e ela me mostrou um filé muito fininho. Eu fiquei indecisa, levei o dedo indicador na vertical tapando a boca pensando se levava ou não. A mulher guardou o peixe e me disse sem demora que eu poderia ir numa peixaria mais adiante que lá talvez eu encontrasse o que queria. Fiquei em choque. Custei a cair na real. Percebi que ela estava irritada com minha indecisão e só consegui dizer com calma e meio sem graça: a senhora está me correndo, tudo bem. Eu vou embora. Nesta última frase vi minha voz sumindo e me dirigindo para a porta de saída, pensei em correr pra casa, mas resolvi tentar na outra peixaria. Cheguei lá meio amortecida, meio em estado de choque, minha voz nem saía da boca. Perguntei ao homem bonachão ali sentado que peixe ele teria para fazer ensopado. Ele logo me sugeriu 3, mas com uma serenidade tamanha que se não tivesse um peixe que me agradasse eu teria levado o homem pra casa. Ou pelo menos teria tentado.
Depois de atendida e enquanto pagava pelo peixe que levei, contei a ele com as mesmas palavras que narro aqui e ele, na sua serenidade, me disse: azar dela, aqui a senhora será sempre bem-vinda, pode levar o tempo que precisar pra decidir. Eu ainda tremia. Fiquei surpresa com minha fragilidade diante da estupidez da mulher. Com certeza nunca mais voltarei naquela peixaria. Não vou me expor a estes lugares onde a pressa comanda as relações humanas.
Não creio que eu tenha que me sentir culpada por estar indecisa na escolha de alguma coisa. Não vou levar pra casa uma coisa que vá detestar porque o mundo resolveu me forçar a engolir goela abaixo sem pensar nos meus interesses, sem procurar saber o que é melhor pra mim. Não vou ser regulada pelo tempo do mundo. Preciso de mais tempo pra pensar.
Talvez eu tenha que me fortalecer pra revidar a este tipo de ignorância com palavras mais duras e não deixar que pessoas sem noção como estas me ameacem. Mas isto não é o mais importante porque consegui chegar a casa bem, elaborei a situação e preparei o peixe na fineza. Mas antes, pensei bem como iria prepará-lo. Deixei ali no tempero por uma hora, enquanto tomava um chimarrão no jardim. Passado o tempo fiz um molho no capricho e só depois coloquei o peixe. Hummm....ficou uma delícia. E como ando valorizando o meu tempo. Logo depois do almoço, fiz um chá de limão bem gostoso e saboreei com o olhar perdido no nada. Nada como perder-se no tempo e esquecer a estupidez do mundo.

domingo, 15 de janeiro de 2012

Meu irmão é um baita marceneiro

Há poucos dias atrás bateu aqui em casa um cara todo esbaforido procurando por meu irmão para pedir que construísse um barraco de madeira para ele num terreno na rua de trás. Estava meio desnorteado, aflito mesmo, dizendo que estava procurando por Marcus fazia um tempão. Com a calma que lhe é peculiar, Marcus disse ao cara, tá, tudo bem, vamos lá ver o terreno.

Marcus voltou contando que o terreno, já separado com uma cerca de arame, fora comprado entre dois amigos e repartido igualmente. O tal proprietário aflito e inquieto ficava andando de lá pra cá e querendo saber se Marcus poderia começar logo e quanto iria custar tudo. O homem relatou que não agüentava mais viver onde morava no momento e por isso precisava arranjar um teto com urgência. Queria botar sua família dentro de um barraco para depois construir a casa. Meu irmão ficou consternado com a situação do sujeito e não cobrou o preço justo, cobrou menos.

O terreno fica próximo aqui de casa. Em poucos minutos se chega lá. Marcus foi a pé todos os dias desta última semana lá construir a casa do cara. Hoje de manhã resolvi espiar a quantas andava a obra e fiquei abismada com a capacidade de meu irmão em construir uma moradia para alguém, com material barato, fazendo um verdadeiro milagre com a madeira. Ele é perfeccionista e não poupou esforços para dar uma boa aparência ao lugar. Isto me faz pensar como é difícil encontrarmos pessoas que mesmo com materiais simples consegue edificar a beleza e a utilidade. Aquele proprietário aflito do início da semana estava com o sorriso nas orelhas. Parecia uma criança admirando o seu brinquedo novo e achando que estava ajudando enquanto tropeçava nas madeiras. Resolvi sair logo dali, porque sei que meu irmão não gosta de gente andando na volta se não vai pegar no pesado. Hi, hi, hi.

Problemas de políticas públicas de moradia a parte, também me emocionou saber que mais uma família vai ter o seu próprio canto e que meu irmão participou disto com o seu saber fazer e a sua ética solidária. Este ofício maravilhoso que é a marcenaria, transformar a natureza em objeto, um teto, um aconchego para alguém deve ter quase a idade da humanidade. Isto é muito legal. Meu irmão é um baita marceneiro e usa seu ofício para fazer coisas boas e belas. Ver aqueles dois homens ali, contratante e contratado, articulando sonhos e saberes para aquela construção, alegrou demais o meu domingo, a minha existência.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

O banho das cachorras

Este dia está um bafo. Nem o vento ajuda. As árvores se escabelam mas logo ficam cansadas e emudecem. Quilha e Bebel, minhas cachorras, se arrastavam andando atrás de mim enquanto eu aguava o jardim. Pobrezinhas, pensei. Precisam de um banho, e é de mangueira. Eba, vamos lá gurias, se aprontem que a mamãe vai dar aquele banho nas duas. Uma de cada vez, primeiro a Quilha. Vem cá sua danada, fica bem quietinha que vou te dar um banho daqueles, vou molhar bem e tirar todo este melado do couro. Vai ficam bonita e limpinha. Vamos lá, sem fiasco, fica quieta que vais poder dormir num sofá hoje à tarde enquanto eu estiver dormindo no outro.
Ela tentava escapar, mas não resistia ao chamego que envolve tomar um banho. Não é só a água e shampu que fazem um bom banho. Tem todo aquele chamego, aquele convencimento, as carícias e as palavras macias para garantir o processo até o final. Nestas horas é bom ser cachorra, se é que alguém me entende.
Concluída a primeira, parti pra segunda cachorra. Pra quê? Quem diz que a primeira deixava. Tive que fazer um banho meia boca pra garantir a lavada completa, porque nenhuma das duas parava quieta. Eu havia esquecido que precisava tirar uma cachorra de cena pra poder iniciar com a segunda. Parece até vida real gente.
Enfim, conclui os banhos e as duas correram pelo jardim bem afrescalhadas e cúmplices do fuzuê. Eu fiquei fedendo a cachorra molhada e sem ninguém pra me dar banho. É a vida. Quem me dera ser cachorra.

Hoje a tarde vou dar o banho no Dino, o único cachorro da casa.

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Cuidar exige sabedoria

Cuidar dos outros é bom. Mas qual é a medida do cuidado? Como ajudar o outro a seguir com as próprias pernas? Não sei fazer isto. Tenho ficado refém dos monstros que crio. Não sei como expulsar do ninho o sequestrador de minha atenção e dedicação. Fico presa à estrutura que inventei para acolher o ser cuidado e não vejo como desorganizar esta dinâmica sem derrubar tudo. Não é fácil produzir autonomia para os outros. É preciso que aconteça a mágica do desejo pela independência por uma das partes. Meu desejo por independência acontece, mas do outro não. Eu me saturo de me dedicar por um tempo sem fim. Eu preciso do final da história, de concluir etapas, de finalizar projetos e começar outros.
Talvez eu não devesse cuidar tão bem dos outros. Talvez eu devesse ser mais austera, sem tantos desdobramentos de atenção, sem tantos detalhes e requintes de ofertas de cuidados. Eu viro quase uma camareira das pessoas quando me disponho a cuidar de alguém. Isto não está certo. Isto não é normal eu diria, se pensasse bem antes de me deixar levar pela compulsão de atender às necessidades de alguém. Eu até invento necessidades que as pessoas nem haviam pensado para vê-las bem. É quase como uma instalação estética cuidar de alguém para mim. Fico antevendo o que a pessoa vai precisar e preparo o ambiente para ela, me desdobro em esquemas criativos para vê-la bem instalada, aconchegada, querida e feliz.
Mas aí a pessoa se deita nas cordas e gostando de todo aquele atendimento me escraviza. Eu suporto por um tempo, mas depois vou sentindo um mal estar, uma angustia e fico prestes a estourar. Até adoeço. Meu corpo começa a me avisar que é hora de parar com o projeto e me vejo em maus lençóis para me desfazer daquela instalação que eu mesma construí para abrigar o monstro que forjei.
Eu não sei a medida do cuidado. Deveria existir um Manual do Cuidado para pessoas cuidadoras como eu. Eu nasci para cuidar dos outros. Sei disto, mas precisaria aprender a fazer isto sem chegar ao ponto de esgotamento a que me exponho sendo tão amadora.
Não tenho sabedoria para cuidar dos outros. Será que podemos aprender a fazer isto sem chegar ao esgotamento? Como pressentir a chegada de sugadores de energia? E como nos livrarmos deles quando se instalam como se fosse de direito? Como fazer isto com o menor trauma possível para ambos os lados?

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Minha bipolaridade

Acho que este blog já tem registrado bastante dos meus sintomas de bipolaridade, desta minha vida bipartida de sofrimento e alegria, de crença e descrença, de amor e ódio simultaneos, quase que sincrônicos provocantes de alterações de humor e de pressão arterial. A pulsação de meu coração tem experimentado seus limites e mesmo na bipolaridade do real e do imaginário transformo tudo em vida e me supero a cada tormento. Vou aos quintos dos infernos e logo a seguir experimento a mais sublime sensação de elevação existencial. E não uso droga alguma. É tudo no seco, no duro, na carne, no suor frio e no estômago.
Convivo com a fragilidade de minha saúde que vive me dando sustos, vivo em sobressalto e já não sei se quero tê-la ou perdê-la e confirmar meu pessimismo. Mas nos momentos seguintes deste derrotismo olho para o céu ou para um de meus cães e percebo a magnitude da vida e do grande desperdício que cometo ao deitar-me no sofá como se fosse pra sempre. Quem poderá me defender? Ninguém. Não há chapolin colorado por aqui. Sou órfã de chapolins e tenho muita preguiça de sair em busca de algum. Às vezes chego à conclusão de que não quero ser salva, tampouco quero salvar outrem. Quero o mais absoluto egoísmo, com requintes de crueldade abandonar a tudo que me aborrece e virar uma andarilha de mim mesma. Perder-me em isolamento e desistir da humanidade. Os cães são meus melhores amigos.
O que tenho ganhado dos humanos é muito menos do que já dei e não me contento mais com ninharia. Quando dizemos que alguém está carente é porque esta pessoa não tem nada e certamente sou uma pessoa carente de afeto.
Penso que a bipolaridade, metaforica no meu caso, porque não sou portadora deste mal na realidade, mas digamos que eu seja simpatizante, ela se confirma porque seu portador reconhece a realidade de sua solidão. A percepção da solidão talvez seja o pior dos sentimentos humanos, porque enquanto não percebemos o quanto estamos sozinhos a vida parece ser levada de roldão, sem que se veja tal fato. Sabemos que todos somos sós e que morreremos assim, tudo bem se não lembrarmos disto o tempo todo. Realizamos afetos, amizades, ligações de toda a ordem para não pensar nisto. Mas quando você se retrai por algum motivo relevante na vida e não consegue mais ter ligações com humanos vem à tona a relidade tão dolorosa que é saber que você é sozinho.
Mas terrível ainda é quando você não vê possibilidade de novos laços e vê o tempo passando direto para o fim de sua vida, a velhice. Lidar com a velhice passa a ser a outra opção para não pensar na solidão. Tenho feito isto. Tenho tentado lidar com meu envelhecimento com humor e sobriedade. Se puder fazer isto, mesmo com meus altos e baixos talvez aprenda alguma coisa nesta existência tão reles e cheia de erros e percalços.
O certo é que tudo o que fiz foi para tentar ser feliz e construir um aconchego de amor e amizade, de criação e alegria, que ainda são meu norte, meu guia de possibilidades por onde quer que eu vá.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

É hora de mudar

Cheguei a planejar trabalhar mais um ano. Havia definido que planejaria a vida por ano. Mas cada vez mais vejo os limites de continuar neste trabalho.
As coisas boas não superam as ruins. O negócio é planejar a aposentadoria mesmo. Afinal, adquirimos o direito e temos o direito de mudar a nossa rotina de vida. Fazer outras coisas sem essa cobrança permanente de fazer cada vez mais.

Tenho organizado a minha vida para mudar, largar este peso do academicismo, esquecer a preocupação que este trabalho incute na mente da gente. É um sentimento de culpa por não estar fazendo tudo o que deveria para ser um aistén. Como se fosse possível existir uma legião de aisténs. Quanta bobagem.

O bom é que não estou desmotivada para a vida, estou cansada do que se tornou a universidade. Eu sei que sou uma boa professora, mas isto não basta nesta nova cultura. E acabamos por nem ser mais bons professores porque temos que fazer tudo. E afinal, não ser bom em nada.

Vou empurrar com a barriga até fazer o pedido. Vou passar um tempo sem me obrigar a nada e depois escrever. Levarei uma vida de escritora e já sei até sobre o que vou escrever. Vou contar histórias sobre vidas reais de pessoas.

Criei um blog eumoronobolaxa.blogspot.com porque vou começar pelo Bolaxa, mas depois vou sair por aí. É uma pesquisa institucional, mas continuarei depois de aposentada. Quero contar a história de vida de pessoas comuns. Estou feliz com esta possibilidade.

Acho que me realizei profissionalmente. Atingi o objetivo de quando saí do banco. Cheguei a virar até uma doutora. É mais do que planejei. Eu só queria dar aulas na universidade. Mas já trabalho desde 1975 e já é hora de me libertar da vida de trabalhadora. É hora de passar a outra fase da vida. A fase do ócio criativo.

Todas as críticas que tenho feito à universidade são por me preocupar com o futuro dela e das pessoas. São críticas de comprometimento, mas acho que os que ficarem é que terão que experimentar os seus limites.

O mais interessante é que não foi uma questão de chegar no meu limite, foi uma descoberta de que a vida pode mudar, podemos ter outras experiências e nos ver em condições diferentes, livres do condicionamento social em que fomos introduzidos desde jovens, com compromissos e horários e cobranças de produção ativa.

Aposentar significa para mim um dever cumprido, uma possibilidade de reaprender a viver de outra forma.

Por incrível que pareça a convivência com o Marcus, meu irmão, com seu tempo vivido diferente, vivendo os dias fazendo coisas devagar, no seu tempo e curtindo pequenas coisas que consegue realizar no dia, me mostram que o sentido da vida é muito mais do que grandes realizações.

Pode-se ter muito mais alegria ao fazer um bolo de chocolate e tomar um bom café sem pressa do que conseguir publicar um artigo em uma revista b1. A simplicidade é muito mais compensadora do que a luta permanente para alcançar coisas inalcansáveis. A descoberta disto é libertadora.