quarta-feira, 18 de maio de 2011

Pré ver que nada vê

Hoje de manhã eu comentava sobre nossos olhares sobre o cotidiano. Temos por norma formar idéias sobre as coisas e tabular em nossa mente modelos que facilitarão emitirmos definições e conceitos sobre o movimento da vida. Mas fazemos isto com tanta necessidade de produzir certezas que ficamos cegos na maior parte das vezes. Registramos idéias sobre regularidades da vida com tanta força de exatidão que passamos a não suspeitar se aquelas aparentes regularidades, quando recorrentes, possam trazer outros aspectos que não foram vistos por nós e que por isso, não farão parte de modelos mentais inventados para compreender o mundo. Não suspeitamos que os olhares seguintes não passarão de repetições de um olhar produzido pelo modelo mental.
A partir daí nos achamos experientes. Passamos a fazer a mesma leitura de fenômenos, fatos e eventos, enfim, coisas da vida. A dinâmica da vida passa a ser algo conhecido para nós e passível de ser sistematizado. Passamos então a prever coisas, pré ver, na verdade, porque nos valemos de algumas sistematizações para definir tudo, eventos, comportamentos, sentimentos, valores, tudo. Nos transformamos em seres robotizados achando que sabemos tudo, dominamos tudo, quando na verdade, nos impossibilitamos de olhar as coisas buscando as irregularidades, por assim dizer. Analisando-as e dando-lhes algum crédito, poderíamos compreender melhor e não mais do que podemos ver, manteríamos nossas portas abertas.
Pois passamos pela vida entendendo que o cotidiano está repleto do mesmo e esquecemos que ele esconde coisas que não elegemos como visíveis, e que portanto, por vivermos pré vendo nunca as veremos. Quando será que aprenderemos a nos desprender desta necessidade de explicar as coisas faltando os pedaços? Quando será que nos tornaremos seres que independente das visões sistematizadas estaríamos sempre em busca de novas visões?

quarta-feira, 11 de maio de 2011

O ninho e a chave

Havia me comprometido a fazer parte de uma mostra de intuição artística ou intuição estética, como tenho encarado a definição desta intervenção. O nome da mostra é Livros Verdes (Karine Sanchez). Cada um construiria a sua concepção de livro verde, isto é, alguma coisa que represente relações com a Educação Ambiental. Havia aceitado que esta ação fosse promovida dentro de uma disciplina, envolvendo alunos e alunas inspirados e desafiados a se exporem com suas idéias abstratas ou concretas ouconceituais o diabo. Tentara uma colagem ao mesmo tempo em que começara a testar materiais. Fiz a maior cacaca, minha obra virou um amontoado de colagens coladas e grudadas uma nas outras. Era conceitualidade demais para um exposição, um misto de possibilidades de vaia e estorvo. Pus de lado aquela idéia, que mais valeu pela experimentação das coisas do que de um produto para ser exposto. Valeu pela vivência íntima, pessoal. Até achar que haveria interlocutores compreensivos seria querer demais.
Dias antes quando andava pelo jardim reparei um ninho em contrução caído na grama. Juntei e fiquei admirando a trama maravilhosa que seu construtor iniciara. Não era a primeira vez que juntava um ninho pelo pátio, mas aquele não chegara a ser usado, estava novinho, e fora arrancado de seus galhos de fundação pela ventania. Institintivamente o guardei no atelier, queria admirá-lo com mais calma.
Pois foi para ele que olhei quando via que a obra anterior com as colagens havia caído por terra.
Logo pensei que seria legal levar a metáfora da coisa em contrução, da coisa inacabada e achei que aquele ninho era o símbolo para isto, era mais do que isto, era uma representação meiga de processos vitais, de processos de resguardo, de conforto. Mas era também a representação de processos que caem, que vão por terra e que nos abrem possibilidades de novos encontros, de abrirmos novas portas. Foi então que pensei que esta possibilidade poderia ser representada por uma chave. A chave seria colocada abaixo do ninho. Fiquei satisfeita com o meu processo e com o semiproduto, deixando sem resposta, e talvez suscitando algumas perguntas.
Levei pra exposição e a deixei lá, sobre uma mesa redonda que colocaram para mim.

domingo, 8 de maio de 2011

Permito-me enganos

Permito-me tantos olhares, tantas maneiras de ver o mundo. Não tenho medo da contradição e da incoerência, pois chamo em meus des-norteios (ou des-suleios) a recorrência de ponderações plausíveis. Como se testasse minhas crenças a todo o momento quando falo, penso, sinto o mundo. Busco um jeito de apreender as coisas do mundo e poder me situar, mesmo que por instantes sutis. A sutileza da vida talvez seja isto, poder se permitir os enganos e se colocar como eterna aprendiz. Quem sabe em algum momento distante saberei melhor sobre as coisas mundanas, sobre as gentes que encontro e desencontro pelo caminho. Já teve um tempo em que me arvorava de certezas e convicções. Era até intransigente com estúpidos. Tornava-me assim também a coroa da estupidez. Achava que minhas leituras de papel impresso e de vagas interpretações poderiam me comprar a sabedoria em latas com zíper fácil de abrir. Talvez ainda haja tempo para minha salvação, descobrir que mais do que nada sei, nada sei do que nada sei. Sou uma mulher de meio século tentando superar o próprio século em vão. Mas permito-me a asneira, a brincadeira, as colagens e bricolagens que voltei a experimentar. Tenho me dedicado a colagens de embalagens e revistas, jornais, desenhos, gizes de cera, glitter e tal, escrito poemas a partir do passatempo com elas e pode crer que vou me achando nos caminhos incertos das meditações. Tenho me permitido jogar dados, como a cartomante com seus búzios lendo a sorte vou relacionando imagens, palavras e pensamentos. Vou exorcizando impressões, medos de dizer a verdade, inverdades, sonorizando idéias, enquanto um bem-te-vi insistente se observa em minha vidraça, por minutos sem fim. Eu me permito todas estas loucuras que tem sido minha vida desde que inaugurei esta fase de não me importar tanto com a verdade verdadeira, mas com a psicanálise de minhas visões de mundo.