segunda-feira, 31 de maio de 2010

Cantar

Nesta semana vou cantar no momento cultural da II Semana do Meio Ambiente, na Furg. Os alunos me convidaram. Fiquei feliz. Adoro ter a chance de cantar. Vou estrear um solo, a capela. Pretendo recitar um poema também. Contar alguma história talvez. O que está me motivando é poder realizar uma coisa que venho querendo fazer, levar a platéia a cantar junto comigo. Penso que momentos culturais em que a música está presente é o melhor momento para fazer as gentes cantarem junto. A experiência estética do cantar é para mim a chance de reunião, de tecer junto os desejos de felicidade ou de comunhão de tristezas. Cantar é para mim a possibilidade de acolher e despertar solidariedade. Quando cantamos queremos ser ouvidos e queremos ouvir o retorno da voz que baila pelo ar. Estou ansiosa com o dia de amanhã. Como sempre, uma apresentação me deixa ansiosa, mas estou feliz também porque vou mostrar o que as pessoas querem ver. Elas pediram que eu cantasse e não há nada melhor do que isto para alguém que ama a música. Amo cantar, é como se eu saísse de dentro de mim e me deixasse pairar sobre o mundo pra poder ver a beleza que há em mim e que não quero perder. Vendo minha beleza posso ver a beleza do outro, beleza que às vezes turva e se perde na curva de suas pretensões de ser feliz a qualquer preço. Amanhã eu cantarei com o coração e me deixarei pairar sobre o mundo pra continuar vendo a beleza em toda a parte.

domingo, 30 de maio de 2010

Enxadas e sossêgos

Olho pela janela e o vejo no jardim recortando os canteiros, mesmo depois de tomar seu banho, quando achei que iria sossegar o pito. Incrível a diferença que a química pode fazer a uma pessoa. Hoje pela manhã comentávamos sobre o bem que alguns medicamentos podem fazer a quem, por algum motivo, perde as forças para lidar com a vida. Pelos anos que ele passou sem antidepressivos posso imaginar como sofreu com a dificuldade de manter o equilíbrio. Lá está ele agora cuidando dos canteiros, um a um, sem pressa. Faz o trabalho e vem sempre me mostrar e eu certamente já me disciplinei a dar-lhe atenção procurando notar os detalhes e elogiar sem exagêros. Na verdade, tenho demonstrado que o cuidado que ele vem tendo com a casa e o jardim, e até comigo, tem sido muito bom, digo que estou feliz por ele estar aqui. Às vezes preciso vigiar se está tomando os remédios para estar segura de que não há dissimulação, já que isto é comum nas pessoas que arrastam histórico de alcoolismo, mas a transformação é visível até no semblante. Ele está mais tranquilo, mais confiável, embora a vida tenha me ensinado a não confiar totalmente em evidências. Neste momento o vento deu sinal de visita indesejada e ele deu o serviço por encerrado. Refugiou-se no atelier.
Incrível a mudança do atelier. A cada dia ele cria mais uma geringonça, tudo no detalhe pra facilitar acesso e uso das ferramentas. Parece que enfim o atelier que construí pra ele é um lugar ocupado de criação. Nisto combinamos como irmão e irmã. Somos criativos. Estamos sempre inventando um detalhe e ele não mede esforços pra encontrar soluções. É como se a vivenda fosse uma ilha de sossêgo e inventividade. Esta é uma das razões de eu gostar de voltar pra casa, de estar em casa. E este talvez seja também o problema de ter preguiça de sair de casa. Aqui me vejo envolvida em criação. Criação quando faço coisas na casa e no jardim, quando reflito, quando leio, quando escrevo. Por isso talvez seja pertinente a expressão 'nada é melhor do que o nosso lar'. Deixe estar até que algo ou alguém me roube está atenção ensimesmada de preguiça e recolhimento.

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Resgate de mim

A solidão é bela quando em mim o silêncio cala. Minha imagem refletida no que fazia de mim a afirmação da alegria interrompida retorna-me à razão; a razão esquecida pela crença na confirmação do desprezo e da vida finda ditada pelo outro. Ah, quanta insensatez desprevinir-me assim à fraqueza dos impuros. Já é tempo de balançar as contas brilhantes do tabuleiro. Novos arranjos refletirão o brilho guardado em mim, esquecido por mim. O brilho detrás da cortina que aceitei ser fechada, por inexperiência, por achar que já sabia tudo da vida, por pensar que amava, por querer aprender a ceder. Vejo que era mais sábia quando ditava as regras de minha solidão. Eu dizia, quem quiser aportar em meu cais precisa saber amar. Não é pecado ser só. A solidão nos garante a individualidade. Saber amar e ser só talvez seja a grande experiência. Amar talvez seja isto afinal. Resgatei em mim a re-visão do futuro.

terça-feira, 25 de maio de 2010

Listando coisas boas

Individualidade, casa própria, jardim, cachorros, pássaros inquilinos, filhores em geral, dia de sol, dia de chuva, lua cheia, água, água limpa, ondas do mar, maçãs, trabalho, ler de manhã, escrever sem interrupções, café passado na hora, tv sky, conversar calmamente, azeite extra virgem Galo, torta de chocolate molhadinha, chocolate meio amargo, céu azul, brisa suave, filmes sensíveis, transformações estéticas em geral, roupas na corda, roupas novas, sapatos confortáveis, bolsas com bastante compartimentos, deixar o cabelo crescer, o primeiro beijo, receber um telefonema esperado, conferir um saldo credor, trocar de carro, terminar de pagar um empréstimo, receber aumento de salário, ficar curada, ter remédio pra quase tudo, encontrar o próprio coquetel de cura, dormir a noite toda sem ter que levantar pra ir no banheiro, acordar pensando no café com pão novo, fazer sexo depois de dormir bem, o gozo depois do primeiro gozo, desmarcar compromissos indesejados, continuar tomando vinho depois do jantar dizendo bobagens, aceitar as pessoas como elas são, saber que alguém que mora longe pensa em nós, ser a mãe de alguém, viver com pessoas que nos respeitam, fazer planos, participar dos planos de alguém, aconselhar os jovens que nos procuram, poder ajudar alguém desinteressadamente, perceber o presente como única certeza e se deixar viver.
Deve haver mais coisas pra esta lista, mas no momento não lembro. Se não foram listadas ainda o serão.

sábado, 22 de maio de 2010

Lista de tarefas

O sábado amanheceu entre o sol e o cinzento, mas dava pra ver que o clima chamava a fazer coisas. Eu tinha uma lista de tarefas se amontoando em minha culpa. Precisava limpar a casa, ir ao super, agendar pagamentos eletrônicos inadiáveis, limpar a piscina, que transborda por causa das chuvas, retocar as luzes, porque as raízes brancas já aparecem, lavar roupa, ver as mensagens que não vi ontem. Ufa! Muita coisa para um dia só. Não daria conta. O negócio era apelar para minhas estratégias anti estresse. Fazer somente o inadiável. Foi então que resolvi pôr roupa na máquina e deixar lavando, ir direto ao super e comprar somente o necessário para não me demorar, agendei o pagamento do título, voltei pra casa, guardei as compras; fácil. Fiz meu chimarrão, botei a roupa na corda e decidi que só varreria a casa e poria os tapetes no sol e vim ver as mensagens. Fácil decidir não limpar. É só decidir e pensar que varrer já é uma grande coisa, afinal a casa é minha e limpo quando me der na telha. Botei mais roupa na máquina, que já pendurei antes do almoço. Já havia comida pronta que sobrou de ontem, só cortei bem fininho um molhe de couve e tudo ficou bem gostoso e quentinho. Comi pouco e vim acessar o blog. De minha mesa avisto a piscina. Ainda está lá cheia demais fazendo ondas querendo transbordar. O sol já esfriou e começa a ventar. Fico imobilizada e nem aí pra isto. Sei que vou limpá-la, mas quando der. Hoje é que não será, porque esta reflexão toda está me dando um sono e o sofá, fazendo seu papel mobiliário, está me chamando. Só falta pegar a colcha e um travesseiro [esta é uma das tarefas de que mais gosto ultimamente] e deixar que a cachorra me siga e suba depois que eu me ajeitar confortavelmente. O cabelo pode esperar. Deixe que as raízes apareçam. Este é meu estado natural, meus cabelos reais são brancos afinal. Esta tarde promete. De alguma forma sinto como se minha lista de tarefas tivesse sido cumprida. Não sei porque sou assim, mas sou, gosto de tomar consciência das listas de coisas por fazer e adiar ao máximo possível o que precisa ser feito. Guio-me pelas urgências. E minha urgência maior é deixar o tempo passar assim, impunemente. Isto me faz bem. Ah! Ainda não varri a casa. Quem sabe amanhã.

terça-feira, 11 de maio de 2010

Assinar o divórcio

Hoje recebi o telefonema do advogado para ir ao cartório assinar o divórcio. Não senti nada. Foi uma coisa natural, sem choque. Senti um alívio porque esta história chega ao final. Uma página virada. Nestes últimos dias, passado o terror dos últimos meses, com todas as decepções, senti alívio que tudo terminou. Minha vida começa a ver adiante. As coisas estão surgindo aos poucos. Novos caminhos se apresentam. Vou fechar esta porta, enfim. Não quero mais saber de arrependimentos, nem lembranças, nem nada. Quero esquecer tudo o que me aconteceu, como se não tivesse existido. Simplesmente perder a memória deste intervalo de tempo, porque nada restou além de desilusão. Mas esta desilusão transformou-se em auto-conhecimento. Hoje sei mais sobre mim, muito mais do que pensara poder saber. Nada e nem ninguém arrancará mais isto de mim. Eu sou uma mulher com poder, que foi abatida sem aviso, mas que renasce da morte. O divórcio, na verdade, me cai bem. Nunca mais serei solteira, mas também nunca mais serei casada. E para quem diz que não se deve dizer nunca mais, eu digo, mais que nunca, eu quero é paz e liberdade. Casamento é prisão e esfacelamento dos mitos, já deu pra aprender e daqui pra frente, do tempo de vida que me resta, devo dedicá-lo à liberdade. Saber que ser livre e sozinha podem ser a mesma coisa, estou disposta a pagar o preço.

domingo, 9 de maio de 2010

Um mundo assustador

Não adianta contemporizar as muitas situações que tenho vivenciado. O mundo me assusta. O poder da comunicabilidade das notícias sucessivas da ruindade humana me apavora. Quando parece não haver mais nada para exercitar a maldade este ser inventa outra. Crianças, velhos, moços, mares, gaivotas, montanhas, casebres, palácios são arrasados da noite para o dia. Dia de caos. Dias seguintes de mais caos. Lido com jovens diariamente e eles também me assustam. Temo pela esperança deles. Quando eu era jovem tínhamos sonhos de mudar o mundo. Além da paz, queríamos a justiça social e a liberdade para criar coisas, coisas belas. E não admitíamos que nada e nem ninguém nos tirasse a esperança de mudar o mundo. Os jovens de hoje se agarram a tradições porque estão sem paradigmas, eles são cada vez mais tradicionais porque não viram nossos sonhos se realizarem e fazem de nossas falas a surdez do futuro. Quando tento levar-lhes a importância da resistência, de continuarmos tendo idéias e empenhando esforços para mudar o status quo que eles mesmos já criticam, porque são inteligentes, eles respondem que não adianta nada, que tudo a sua volta indica que serão fracassados se tentarem fazer diferente. Eles respondem que não conseguirão lutar contra a obviedade da contradição. Fico cansada diante disto tudo. É difícil fazê-los entender que além de não sabermos o bastante não poderemos prever aonde iremos parar com nossos atos, mas devemos saber o que é certo e o que é errado e nunca desistir antes de começar. Descobrir o que é certo parece ter perdido o sentido, porque eles só se importam com a aplicabilidade imediata do que aprendem. Não conseguem entender que se aprendermos somente o que é aplicável deixaremos muitos elos para trás. Foi o que fizemos até agora como espécie. Deixamos muitos elos perdidos e é por isso que não conseguimos compreender e apreender a crise da modernidade. Eu temo pelos jovens tanto quanto temo pelo planeta. Eu gostaria de achar que eles saberão conduzir esta nave.

domingo, 2 de maio de 2010

Cortei as unhas

Depois de aguar o jardim, não tem chovido, liguei o computador pra ver as mensagens, e continuar a leitura já iniciada há alguns dias. Notei que as unhas me atrapalhavam com as teclas. E não era de hoje que elas ficavam quebrando e pegando nas coisas. Resolvi cortá-las rente. Ufa! Que alívio ter unhas curtas. Ficamos sem garras. É como se assumíssemos desistir das lutas, ficamos indefesas bem dizer. Se precisar delas como ferramentas ou para me defender de corpos estranhos não bem-vindos terei que lançar mão de outra coisa. Mas também é um alívio porque podemos dizer que ficamos impossibilitadas de lutar, portanto, que não venham nos obrigar a tomar as mesmas atitudes de tempos mais combativos, em que enfrentávamos qualquer situação com a força de uma Shena, Mulher Maravilha, Biônica, Lara Croft, essas mulheres. Ai, cansei de fingir persistência e resistência. Jogo a toalha, saio de cena, penduro a pena, me atiro no sofá, quero dormir até que alguém me esqueça. Desisto de qualquer luta, cortei as unhas, estou desarmada, não quero nem conversa fiada. Vou meditar, lixar as unhas todos os dias, mantê-las curtas, fora da escuta, farol baixo, respirando pouco pra não me exaltar e não sair mais deste sono da desistência de putas lutas que não levam a nenhum lugar .