sábado, 28 de agosto de 2010

Onde está a beleza?

É o que dá ser uma mulher pensadora, as coisas ditas e não ditas sempre me causam inquietação e quando caio em mim passei horas divagando. Geralmente comigo mesma, porque são cada vez mais difíceis os encontros com tempo para interlocuções ou com pessoas que queiram parar tudo para conversar sobre a vida. Desta vez fiquei horas pensando sobre a beleza, quase sempre confundida com juventude.
Olha só a saia justa. Já não é a primeira vez que um homem me diz uma coisa do tipo: 'Você deve ter sido uma mulher lindíssima!' Só pra início de conversa, as pessoas não pensam antes e durante o que falam. Acredito que nem após seus ataques verborrágicos. O que significa esta frase - você deve ter sido uma mulher lindíssima, senão a afirmativa de que você não é mais? Santa idolatria da Juventude, Batman! Não descarto a possibilidade de ter me enfeiado pela vida, claro. Mas gostaria de obter o reconhecimento do mundo de que estou lutando para me manter apresentável, pelo menos não me transformar em uma pessoa assustadora ou como diriam meus alunos da Física, um buraco negro, sugando a luz dos outros com minha fase ou lado tristonho e desencantado com a vida e o ser humano. Mas o que esperava aquele homem ao me dizer isto? Estaria ele querendo me lembrar que minha juventude se foi e com ela minha beleza? A beleza é sinônimo de juventude? O que faz de uma pessoa, uma pessoa bela?
Não sei dizer o que é mais grave neste episódio; se é a falta de tino de meus interlocutores masculinos de ocasião, se é a cultura incorporada pelas pessoas fúteis, se é o meu assombro a esta altura de meu conhecimento do ser humano, se a minha fragilidade diante da consciência de meu envelhecimento. Não sei dizer. De tudo isto me resta o alívio de que ando lidando bem com minha decadência, desta experiência humana que é nascer para morrer. Já cheguei ao ponto de que pouco importa se levarei este saber para outras vidas. Quem vai saber como ainda falaremos de beleza no futuro? Espero que o ser humano consiga vencer esta deficiência em seus processos de emancipação. Que o instinto sexual de escolhas para a preservação da espécie em sua materialidade seja superado pela inteligência espiritual e que outras belezas sejam eleitas para a nossa convivência. Do contrário, ainda penaremos em falsos processos civilizatórios.

domingo, 22 de agosto de 2010

Linha bem fina

As raivas povoam o ar. Tensões e impaciências são atribuídas às explosões solares. Vá entender. Até agora eu tinha conhecimento apenas das influências da Lua. E para ela a gente ainda pode olhar pra se perguntar porque os enigmas nos perseguem. Mas para o sol? Este rei nos domina sem nem olhar nos olhos. Só de pensar nestes deuses me arrepio. Sou tão pequena diante disto tudo. É até confortável me entregar a este destino tão humano. Mesmo sabendo dessa condição existem coisas, coisas - pra não nomear em definitivo -, que circulam entrem nós com as quais fica difícil lidar a cada dia. Uma delas é a raiva. A raiva nas pessoas. Muitas andam por aí e entre nós com ódio de tudo e de todos. Tudo é passível de maldição quando elas abrem a boca. Elas já levantam de manhã irritadas, chutando baldes, prometendo tirar a limpo qualquer palavra dita fora do lugar. Querem a gota d'água para serem tiradas do sério. Ninguém presta para essas pessoas. Chega a ser engraçado quando ao acusarem deus e todo mundo enchem a boca para dizerem que são o primor da ética. Fico me perguntando até onde elas vão com todo esse ódio. Ai, eu me dei conta de que não quero estar com pessoas assim! Não quero ser a juíza do mundo. Não saberia ser nem juíza de futebol se soubesse as regras. Sei que essas pessoas podem não perceber que estão se alimentando de raiva e de ódio. Mesmo que coubesse a mim avisá-las temo que se voltassem contra mim. Como aliás, já aconteceu algumas vezes em que tentei mostrar os outros lados das situações. Nada feito. Paguei mico. Fui frita. Portanto, tomei algumas decisões. Que me desculpem os alterados e desencantados com tudo e com todos, mas preciso passar pela vida, nesta vida, tendo por ela toda a ternura que eu possa carregar. E nesse caminho, entre o ódio e a ternura, reza uma linha bem fina. A tal equilíbrio e ao desejo de escolher o meu lado, sou obrigada a fugir de quem tem raiva, de quem tem ódio. Eu quero a leveza dos espíritos amorosos e repletos de compaixão. Ao longe, e somente ao longe, poderei orar pelos raivosos e pedir que essas explosões solares não causem maiores estragos.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Tenho ouvido

Tenho ouvido Leila Pinheiro. Claro, também tenho ouvido. Ouvido de ouvido, de ter sensibilidade para a afinação sonora. Mas também tenho ouvido no sentido de querer ouvir. E isto tem sido um prazer que há muito não experimentava. Parece-me que andei me perdendo em querer falar mais que ouvir e cantar, também, mais que ouvir uma boa música. Nos últimos dias, ouvindo Leila toda vez que entro no carro e durante o caminho que percorro, percebi que existem algumas músicas que não podemos e não precisamos aprender a cantar. Elas são tão-somente para ouvir. Elas também não precisam ser a música de nossa vida, de nosso passado ou futuro. Elas podem ser simplesmente o momento vago que escolhemos ou fazemos para deixar a música nos invadir. E aí a música é só música. É outro experimento. Outra sensação. Calar se torna melhor que falar, ouvir se torna melhor que cantar.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

A música me faz falta

Ai como a música me faz falta. Choro ao ver o piano lá estirado agonizando por carícias de ressucitação. O piano se esvai e minha voz calada sonha com harmonias perfeitas. Saio pela casa cantando e ocupando os espaços vazios. Em vão ensaio sozinha a Modinha de Jobim. Consigo ouvir-me e enquanto não saio à rua em busca de outros lugares me satisfaço com sonhos e catedrais ecoando minha voz. Minha voz merece, meu espírito em prece deixa; a vontade cresce. Imagino e sinto de ouvido um e arrisco sustenidos como se fosse a meso solo de todos os corais. Oceanos de sons.
Ai como a música me faz falta. Como pode a vida me deixar cantar e depois negar-me este sustento. Esta prece e lamento me cai como um blues ritimado em ondas. Ondas que meu corpo envolve e fica assim vendo nos presságios possíveis os novos momentos de minha presença onde a música também falta. E é lá, com minha saudade e desejo que me darei sem passado e futuro, buscando sentidos pra novas saudades. Assim, vivendo, fazendo da música mais que um estilo de vida, fazendo dela um desejo de viver.

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Vícios e círculos

Quando nos empenhamos em descobrir maneiras de ser feliz criamos possibilidades. Merecemos ser felizes, se esta felicidade não custar a vida de outras pessoas. Difícil saber o limite desta entrega. Não há controle sobre isto. A vida prega peças e segue andando sem olhar para trás. Conflitos e seres aflitos são acometidos de situações inesperadas e mesmo assim precisam continuar vivendo. Lembranças podem ser caça níqueis se nossa inteligência estiver em baixa. Nossos sorrisos podem se amarelar em semblantes cansados de tentarmos acreditar na felicidade, mas lá no fundo, lá na raíz de nossa história podemos encontrar a saída. A auto análise é fundamental. Deve ser enfrentada sem rodeios ou medos do que vai descobrir. Podemos nos perguntar sobre o que fizemos com nossa ternura e o que sonhávamos para ela. Podemos retomar nossos seres de fantasia ou seguir em declínio na desesperança, que a avança a despeito de nossa necessidade de continuar respirando. Em meio a essa balburdia de impressões e sentimentos podemos também descobrir se os eternos retornos, os círculos que criamos para poder respirar, não estão nos levando a vícios, como o vício na tristeza, por exemplo. A preguiça ou o desânimo para seguir em frente podem nos empacar nos caminhos e nos levar ao vício em sentimentos menos nobres, pobres, sórdidos até. O vício na tristeza nos impede de seguir em frente. O vício, é preciso reconhecê-lo para combatê-lo, nos consome sem percebermos sua força sobre nós. É o que diriam os especialistas em vícios. Os vícios nos põem em círculos. Mas como todo o ser em recuperação é preciso estarmos dispostos a viver cada dia, um de cada vez, e não nos esvairmos em overdoses de felicidade, de ilusões, porque os tombos por certo serão maiores. O melhor mesmo é se amparar na serenidade, na verdade vista com parcimônia, compreender os círculos e deixar a mente e o espírito abertos a novos sentimentos que nos livrem de qualquer vício destrutivo. Afinal, como seres humanos, estamos em permanente risco, porque viver, viver é a coisa mais difícil que o universo nos impõe queiramos ou não aceitar.

domingo, 1 de agosto de 2010

Pegar o avião?!

Dizem que pra conhecer o mundo de cima e melhor é preciso pegar um avião, viajar, morar fora daqui. Isto me apavora, porque odeio andar de avião. Sinto o mesmo por navios e outros meios que me tirem do chão. Um lance de escada já é alto demais pra mim. Defeito de fábrica, sou desta forma. Mas neste mundo tão globalizado, informatizado, rico em comunicações, em que os povos se misturam e as culturas se aproximam, ainda há quem acredite que é do outro lado que a vida tem sentido. Estão tradicionalmente olhando para o outro lado do horizonte acreditando firme e inquestionavelmente que tudo lá é melhor do que aqui. Isto vem de muito tempo. O que o outro faz é sempre melhor. A verdade está lá fora. Vá lá que seja. Serviços, bens, saúde, educação. Precisamos falar inglês, francês, alemão. Deve estar certo quem diz que importamos de lá somente a forma de vida e esquecemos o conteúdo. Eu diria também que tal conteúdo foi sonegado e que a tal forma foi imposta pelos invasores da terrinha. Mas que terrinha é esta aqui que a tudo acolhe, que tudo ama sem pedir nada em troca? No afã da admiração do outro esqueceu de negociar o conteúdo, não leu o contrato. Há quem tenha descoberto o conteúdo agora e queira ficar lá do outro lado do horizonte. Mas levará de herança a forma. Não a trans-forma, mas tão-somente a de-forma, porque no encontro dos olhos serão descobertos e relevados. Mas aí me pergunto, por que iria pegar um avião pra ver o mundo do alto? Não vejo sentido. Aquele conteúdo não me pertence. Quero achar nesta forma que conheço o conteúdo daqui para recriá-lo em minha natureza. Nossa! Não me façam pegar o avião. Não me façam acreditar que sou menos, porque além de não me interessar por aquele conteúdo, sei que ele não é meu. O meu? Bem, tenho trabalhado nisto a minha vida toda e para isto não preciso pegar um avião. Seria mesmo maravilhoso ver de perto os castelos e outros bens materiais e espirituais que foram erguidos com a exploração de seres humanos? Seria mesmo bom ver as marcas das guerras de perto?
Por isso, de todas as iscas que não quero morder pra que façam me sentir menos, esta é uma delas: eu não quero pegar o avião. Eu não quero saber de lá. Eu quero ver o que está perto daqui. Meu tempo está sintonizado no módulo lento. Slow. Aqui. Me sinto bem.