quarta-feira, 28 de abril de 2010

Constrangimento

Pensei que poderia continuar dando vazão aos meus impulsos para o debate, em busca de razões múltiplas para compreender o incompreensível. Esta minha mania de querer saber mais do que o mundo menos sabe tem me deixado em maus lençóis. Procuro me refazer a cada mancada, a cada mal entendido, a cada descortesia, mas estou ficando mole. Quando tento dizer alguma coisa parece que vou causar um reboliço e isto tem me apavorado de um jeito que perco a vontade de me expor. Nos últimos dias pude ver que os ambientes estão cheios, digo contaminados, de gente sem pretensão de verdade, sem finesse para ser contrariado. Essa gente sai gritando e tentando vencer pela fala mais alta. Na verdade, impondo-se no grito, quase parecendo um touro de peito inflado de desenho animado. Em meu último episódio de tentativa de diálogo fui humilhada em frente a várias pessoas, que ficaram caladas. Na verdade, pálidas olhando a cena. Fiquei tão constrangida que só consegui murmurar que não podia ficar naquela reunião e me retirei em câmera lenta, achando que aquilo era surreal. Realmente não consegui ficar ali. Pressenti que teria uma crise de pânico. Não sei se me assombrei mais com os gritões ou se me assombrei com aqueles que ficaram calados, me vendo ser constrangida a não falar. E eu só queria exercer o meu direito de fala no grupo. A cada dia vejo que aqueles que reivindicam a reflexão são tidos como entrave ao bom andamento das reuniões que precisam ser rápidas e onde se decide coisas importantes. E pensar que se trata de um episódio ocorrido em uma universidade, aquela que deveria primar pela reflexão. Isto tudo é constrangedor.

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Espinhos da coragem

Os espinhos de minha coragem são ponteagudos e a caminho do céu. Eles brotam todos os dias e cada vez mais se acomodam em minha carapaça, surpreendente torpor de espera do inevitável. Eles, os meus espinhos, reluzem a qualquer brilho e refletem a lua nas noites frias em que espio a vida pela janela. Os sonhos estão guardados no sono que não visito faz tempo. Minha vigília é sentinela romana, presentindo meteoros buscadores de vida alienígena. Quando penso que vou à loucura, me emociono com os filhotes sem pelagem dos marsupiais mostrados na TV. Minhas janelas internáuticas e televisivas me avisam que o mundo é grande demais para mim. Tento então afiar meus espinhos e sair às ruas como dona quixote indiferente aos caos da vizinhança. Mas sou acordada viva do pânico adquirido com o turbilhões de emoções de pura vida, de pura carne e consciência excessiva. Talvez o grande verso seja encontrado na singela ignorância de minhas tentativas de virar uma mulher loira. Minha coragem precisa deste adereço, desta derradeira experiência de aloiramento capilar e das idéias de minha rigidez morena. O loiro como adereço fútil. Penso que a combinação de meus espinhos de coragem adornados por uma longa melena loira me levará finalmente para o mundo dos meteoros e dos super-heróis. E a partir daí, misturados, talvez encontre a paz e a aceitação da insanidade terrestre.

domingo, 18 de abril de 2010

A luta do solitário

Parece que estes momentos de maior calmaria tem me deixado ver o quanto ele está lutando consigo mesmo. Abaixo de medicamentos para superar as crises de abstinência ele procura se manter ocupado. Preciso estar atenta às entregas exageradas que costumam acontecer quando resolve dormir demais. Tenho as minhas coisas pra fazer e é claro que não posso ser babá de ninguém, mas afinal ele é meu irmão e precisa de ajuda pra superar a vida errante que teria começado ainda quando menino e que não mereceu atenção especial dos adultos ignorantes de nossa época de infância. Hoje as coisas parecem mais fáceis. A informação educa até as crianças. Só o adulto que não quer ver não descobrirá o que está acontecendo de errado com seus filhos. Mas naquela época a vida era vivida meio aos borbotões, sem orientação nem para crianças e adolescentes e nem para pais desavisados. Ainda mais uma mulher sozinha criando seus três filhos. Ele se perdeu por caminhos difíceis e de todos os infelizes afetados por seus erros ele foi o maior atingido, com certeza. Sua vida se perdeu em vícios e prisões. Sua saúde é debilitada e sua mente, que um dia foi brilhante, já não tem a mesma lucidez. Seus erros lhe perseguem todos os dias e todas as noites. Quando posso estar em casa, geralmente trabalhando em minhas intelectualidades, o vejo quieto em seus afazeres domésticos e de marcenaria. Ele fica distante, triste, calado e só fala quando lhe dirijo a palavra. Tenho que respirar fundo e agradecer ao universo por poder acolhê-lo. Ele só tem a mim. E eu, pelo que tenho concluído, só tenho a ele. Ainda sou mais afortunada pelos amigos que penso ter. Mas ele, ele vive na mais completa solidão. Paga todos os dias pelos seus erros, não com o desabrigo, não com a fome. Ele paga com a extrema solidão.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Duas tartarugas

Sonhei com duas tartarugas. Tão lindas! Estavam à sombra de uma árvore em meu jardim. Quando as avistei tentei mangueirá-las com suavidade. Na hora eu regava as plantas. Era final de tarde. Sei porque não havia muito sol e o dia tinha sido bonito. Eu trazia este gosto de dia bonito. Ao sentir a água sobre seus corpinhos verdes elas começaram a andar esparramando-se nos pedriscos de uma parte da estradinha que vai da casa ao atelier. Não queria assustá-las por isso comecei a falar com elas dizendo, naquele tom idiotizado que falamos com os cães, do tipo, calma que não vou machucá-las, só quero umidecer seus casquinhos! Óh! Venham aqui, para onde vão? No sonho, elas se distanciavam de mim, mas tratei de acompanhá-las. Queria saber aonde iriam. De repente me vi no centro da cidade acompanhando as duas tartarugas. Notei que se aproximavam da praça Tamandaré. Lá tem um lago artificial desde muito antes de eu ser criança. Já acordada lembrei que há muitos anos [eu tinha lá os meus 12 anos] eu e outras crianças da quadra resolvemos salvar os peixes e tartarugas daquele lago, porque a prefeitura estava fazendo uma limpeza. Eles esvaziaram o lago para limpar o fundo. Nós costumávamos frequentar a praça de passagem e quando vimos aquilo ficamos assustados e muito, mas muito revoltados. Cada um correu a suas casas e pegamos os baldes que podíamos carregar para salvar os peixes que pudéssemos carregar. Eram latas de tinta vazias, baldes, tudo que fosse recipiente servia para salvar os peixes da Tamandaré. Até os pequenos, os irmãozinhos, se envolveram. Os operários da prefeitura olhavam pra gente e diziam que não adiantava fazer aquilo, que os peixes não resistiriam, que nossas mães não deixariam que ficássemos com eles. Nós respondíamos que era somente enquanto limpassem o lago. Que nada! Nossas mães resistiram o quanto podiam. Ocupamos os tanques e baldes da casa por algum tempo, mas pouco a pouco os peixes foram morrendo e não sobrou um que pudesse voltar para o lago. Aquele serviço de limpeza parecia não acabar mais.
E lá estava eu sonhando com a mesma praça, acompanhando as duas tartarugas. Mas tartaruga representa longevidade, por isso não me assustei com o sonho. Elas corriam para um tanque e quando se atiraram naquela água fresca e cheia de algas, pensei que ficariam seguras. Eu já podia acordar. Sonho meio doido. Mas parece que o que vale dos sonhos não são os sonhos, é o que eles nos levam a lembrar. Gostei de lembrar que desde menina meu impulso sempre foi o de atender, de cuidar do outro. Mas por que será que eram duas tartarugas?

domingo, 4 de abril de 2010

O vento de Páscoa

Parece que todas as Páscoas são iguais aqui no reino do vento. Que eu me lembre a Páscoa tem sempre este cheiro, este gosto de vento e chegada do frio. A diferença sempre foi ter ou não ter ovinhos de Páscoa. Igual também é esta sensação de renascimento, este gosto de vida a espera de mais vida. Quem dera fosse sempre esta impressão de pascoalidade no ar. O sol faz que vai mas não vai, a casa aberta de chão brilhante, o cheiro de limpeza feita por mim. Os planos brotam assim de um jeito esperançoso. Faço contatos, amarro projetos, sonho, inspiro autoconfiança de dias melhores. O vento sopra, a cachorra suspira, o mate é quente. A dor se esvai; deixo que ela crie outros caminhos pra longe de mim. Eu quero é vida, nova, bem nova, longe de velhos costumes, velhas idéias, velhas e sacrificadas pelas decepções. Quero novos seres, mais humanos e sensíveis, seres inteligentes. Talvez alienígenas, mas inteligentes e sensíveis. Quero um tipo de vida nova que me arrepie e saiba mexer comigo nos lugares certos. Que me faça acreditar em intenções primeiras, porque é nelas que a vida se torna verdadeira. Quero a verdade, como a verdade do vento de Páscoa soprando em meu rosto somente pra me lembrar que estou viva. Vivinha da silva.