quarta-feira, 30 de março de 2011

Blindagem

Blim, blim.
Cadê minha blindagem?
Afetar-me com o mundo sempre foi minha sina. Afetar-me com as coisas sempre me lembrou que estou viva. Mas que vida? Viver se chateando com as minúcias humanas já não me diz nada. As energias confusas circulam fantasmagóricas pelos ambientes e nos vemos todos assustados, temerosos, paranóicos. Mete-se os pés pelas mãos, mordemos iscas venenosas, viramos pessoas receosas, medrosas, horrorosas.
Cadê minha blindagem?
Devo viver à margem das felpas, das flechadas sem culpido? Não sei bem, mas claro que sim. Preciso pensar. Pensava eu andar por aí com minhas idéias, uma perfeita ideota. Feliz da vida por ser criativa. Uma vontade danada de contagiar os passantes, criar laços de pura alegria, cantar pela rua, engrossar vozes, gritos infinitos da terra-mãe. Mas os medos do contágio são tão grandes que às vezes sinto, pressinto desagrados e as ondas do mal me afetam. Esmoreço, entristeço, me reviro do avesso, quase desfaleço como uma flor num copo sem água.
Tóimnhoinhoim.
Cadê minha blindagem?
Então relembro: guias de minha força, entes de minha proteção, raízes desta caminhada revigorem mais uma vez minha capacidade de suportar a dor e transformá-la em aprendizagem feliz.
Que assim seja.

segunda-feira, 28 de março de 2011

Olhos verdes

Vou andando pela estrada e meu olhar vê o verde. Ele me chama mansinho. O verde dança em serenidade e revela pequenas flores silvestres. É a mudança de estação. Outono e Páscoa. Flores tímidas resistem ao vento frio que anuncia o inverno. O sol quentinho, suportável por mais tempo, ilumina a miudez das pétalas facilmente distraídas de nosso olhar. Me empapuço de verde miúdo, de verde enxarcando meus olhos de outras visões. Visões que me afastam dos ruídos de corredores barulhentos de meu cotidiano. Quero mais olhos verdes, verdes encantados e suas flores miúdas de final de verão. Quem vê isto? Será que alguém me escuta quando mostro? Acho que não. Não queria os olhos verdes pra mim. Gostaria muito que fosse de todos.

domingo, 27 de março de 2011

Vizinhança e ambientes cotidianos

Como lidar com diferenças na vizinhança? Principalmente quando cada um resolve ouvir um gênero musical em último volume? Isto me faz lembrar a dificuldade de convivência que tenho experimentado pela vida afora. Cada vez mais percebo o desrespeito e uma necessidade permanente de estarmos lutando por nosso espaço. É uma luta permanente e cansativa para sermos respeitados. Estou meio cansada disto. Todos os dias detecto a falta de respeito de uma pessoa com outra e de algumas comigo também. É preciso uma disposição e energia para problematizar as coisas e para botar os pontos nos is. As relações estão pesadas e frágeis ao mesmo tempo. Tudo é temporário e pronto para ser negado no momento seguinte. Tenho sido levada às vias de fato e obrigada a tomar atitudes radicais e isto me entristece, me cansa, me desilude com grupos e pessoas. Estou cansada de verdade com isto. Tenho sido lembrada por mim mesma a meditar e relevar a ignorância, a falta de solidariedade. Isto exige muito mais do que uma atitude espiritualizada, exige uma atitude de autocontrole extremo. Relevar os ambientes agressivos, a animosidade, exige muito autocontrole. Existe uma demência contagiosa que parece querer disseminar o medo, a paranóia, a desconfiança o tempo todo. É preciso um distanciamento, a entrada na camada à distância extratosférica, viajar nos sonhos, no cosmos e menosprezar a ofensa. Considerar acima de tudo a incapacidade do reconhecimento da alteridade incravada na cultura vigente. Paciência com a música desmusicada, com o volume ensurdecedor, da petulância de quem fala mais alto, de quem tem o equipamento certo para calar as vozes dos outros. Paciência é a grande aprendizagem que se leva da vizinhança e dos ambientes cotidianos nos dias de hoje.

segunda-feira, 21 de março de 2011

Surpresas boas

A vida reserva muitas surpresas, claro, ouvimos isto desde menina. O tempo vai passando e esquecemos de tentar aprender a dar o significado a essas supresas. Nos confundimos com a realidade que às vezes parece tão surreal. Vamos tateando nas aprendizagens sem saber aonde vão nos levar. Ficamos quase que à deriva, para se utilizar o mar como metáfora. É um mar de coisas e de acontecimentos, de sentimentos e de descobertas que nos sobrecarregamos e nem sempre utilizamos nossa inteligência para sistematizar, para reordenar nossos planetas. Já estou viajando. Já saí do mar. E é nessa viagem em que hoje me vejo em pleno estado de graça. Viajei. Fui das profundezas da terra ao cosmos infinitamente esperançoso, pleno, sereno e confiante. Ai como é bom este sentimento, esta descoberta, esta surpresa. Sou, estou dona de minha alma. Ela flutua em oração pelo entorno. A cada dia estou mais forte e pipocada de uma compreensão infinita pela vida. Credo, de onde saiu isto? É muito bom. Acho que é uma mistura de consciência e aceitação da maturidade e um retorno decisivo à sintonia maior, a transcendência existencial. Quem é que me aguenta agora?

sexta-feira, 18 de março de 2011

Estou a caminho

Os últimos dias têm sido muito reveladores. Há muito tempo que não me sentia tão poderosa. Quando estamos cabisbaixa, embora se saiba que toda a tempestade um dia passa, é difícil mudar o estado de espírito somente com tal certeza. Ser dona de mim novamente é a melhor das descobertas. Ser dona das vontades e das certezas do que não se quer é bom. Isto é demasiado sublime. Não me contenho em alegria e serenidade. Sou outra. Verdadeiramente outra. Aquela mulher desacreditada de si mesma partiu e não deixou endereço. O passado, no entanto, insiste em bater em minha porta, mas não por meu chamado. Era inevitável que o passado perdurasse mais do que minha tristeza, mas ele já não pode mais me alcançar. Não do jeito que intensiona, se repete, se investe de um poder que já não tem. Hoje inspiro vida e planos de um futuro de meditação e vida slow. Não cabe mais em minha vida um passado abrupto, invasor, impaciente. Quero o frescor de dias claros de sol e mar, casa aberta e redes na varanda. Quero a reflexão e a palestra fluídica de encontros de serenidade com pessoas afins.
Meu jardim será de minhas idéias. Minha casa será de minha paz. Meu mundo será de encontro e tolerância. Meu mundo será de música rebatendo o corpo e ardendo em sopros como o coração da terra. Os seres em meu caminho serão testemunha de minha tolerância e maciez de espírito. A terra, o mar, o sol serão meu ninho. Eu quero aceder a outro nível de entendimento que minha história tem impedido a chegada. Eu chego lá. Eu sei que chego. Estou a caminho.

domingo, 6 de março de 2011

Ir ao supermercado

Uma das coisas mais penosas para mim é ter que ir ao supermercado. Já devo ter dito isto umas cem milhões de vezes. Mas não me canso de dizer, sentir e pensar. Aqueles labirintos modernos de coisas empilhadas e espalhadas em ilhas de consumo me atormentam. Tenho me dedicado a consumir minimamente para poder fazer destas idas momentos rápidos e sem dor. Fico economizando os mantimentos para que durem ao máximo. Isto me torna ecologicamente correta porque vou até às últimas consequências da fome, dando conta de todos os restinhos e pendências na geladeira somente para não ter que ir ao supermercado. Cativa de fobias, eu diria que sou acometida de mercadofobia. Tento me esquematizar e tornar estes momentos mais sadios, leves e normais, mas tenho um tempo para estar naquele recinto com aqueles carrinhos desenfreados e aquelas pessoas apressadas pisando em meus pés, dando empurrões e cutucões para escolherem seus tomates. Nestes momentos geralmente eu chego ao clímax do pânico. Fico vendo todos aqueles tomates me olhando e não consigo escolher direito. Bate uma crise de poder de decisão danado. Geralmente chego em casa com tomates defeituosos. É, novamente sou ecologicamente correta mesmo sem querer. Sou eu que levo os tomates feios.

Mas hoje aconteceu alguma coisa para minimizar meu pânico lá no estágio da fila do caixa. É comum neste horário eu chegar a ter tonturas e falta de ar. Aí já cheguei ao meu limite e luto para não largar tudo e correr para casa. Mas hoje especialmente foi um dia especial. Havia um homem a minha frente que segurava a fila para o resto de sua família (mulher, sogra e filho) que continuava a trazer coisas para o carrinho. Ele abrira um saco de salgados e comia vorazmente , segurando uma cadeira de praia. É feriado de Carnaval e o balneário onde moro está cheio de turistas. Sei que ele é turista porque perguntou se aquele era o único mercado do lugar, querendo puxar conversa. Falava com a boca cheia e o cantinho dela cheio de farelos. Logo atrás de mim chegava um homem negro muito interessante. Reluzia sua corrente de prata no pescoço de pele negra genuína. Se não era um expresidiário, era um músico ou um pintor de paredes. Era um homem simples, mas muito simpático e receptivo. Não parei pra analisar a questão na hora. Apenas senti vontade de me aproximar dele. Eu estava receptiva. Desconfiei que era músico amador. Mas puxei assunto com ele. Me pareceu mais confiável do que aquele turista. Falamos do movimento lotado do lugar e olhávamos a nossa volta como se não precisássemos falar. Intuia que víamos a mesma coisa. Foi quando o turista percebeu que a cadeira que estava comprando era toda torta. Não nivelava no chão. Olhei para o 'pintor' e resolvi fazer uma graça., sem que o turista ouvisse, claro. Disse que a pressa destes eventos em supermercados vai chegar a um ponto em que irão colocar uma figura de frango na prateleira e pensando ser um frando a levaremos pra casa sem perceber que não é um frango. Ele riu muito e complementou a anedota dizendo outras coisas. Quando percebi já era minha vez e já estava me despedindo do companheiro de fila e rumando para casa. Que fobia, que nada. Tenho que abandonar essa idéia. Eu preciso mesmo é de contato humano.

sexta-feira, 4 de março de 2011

Voltas e revoltas

Às vezes acordamos e concluimos que voltamos do inferno. É preciso voltar muitas vezes para perceber isto. O medo passa a ser não o do futuro, como ocorre nas ansiedades conhecidas. O medo passa a ser o das experiências recentes ou desencadeadoras das vidas passadas. Quando conseguimos tirar o pé da lama, lama que passamos a conhecer bem depois de algum tempo, ficamos saturados das idas e vindas, das voltas e revoltas.
É preciso quebrar o ciclo, virar o disco, jogar para um passado longínquo, mesmo que o sofrimento seja sempre tão recente em nossas mentes, mesmo que ele esteja no dna. É nossa mente que decide esta dinâmica. É nossa mente, misturada de razão e emoção, que deve equilibrar essa balança.
A rotina das voltas e revoltas vai se cristalizando aos poucos se não quebrarmos este círculo vicioso. A reincidência se banaliza e já não saberemos mais o que é sofrimento e o que é companhia.
Sair uma vez do inferno deveria ser o bastante, mas nossas fraquezas não vêm com manual. Precisamos aprender no ensaio e erro. Sabendo disto já é uma vantagem. O que procurar para sustentar as decisões de ser feliz? É difícil dizer. Talvez procurar esta resposta já seja uma forma de sustentar nossa mente na superfície do observável, sem afundar na correnteza do inferno.