quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Minha bipolaridade

Acho que este blog já tem registrado bastante dos meus sintomas de bipolaridade, desta minha vida bipartida de sofrimento e alegria, de crença e descrença, de amor e ódio simultaneos, quase que sincrônicos provocantes de alterações de humor e de pressão arterial. A pulsação de meu coração tem experimentado seus limites e mesmo na bipolaridade do real e do imaginário transformo tudo em vida e me supero a cada tormento. Vou aos quintos dos infernos e logo a seguir experimento a mais sublime sensação de elevação existencial. E não uso droga alguma. É tudo no seco, no duro, na carne, no suor frio e no estômago.
Convivo com a fragilidade de minha saúde que vive me dando sustos, vivo em sobressalto e já não sei se quero tê-la ou perdê-la e confirmar meu pessimismo. Mas nos momentos seguintes deste derrotismo olho para o céu ou para um de meus cães e percebo a magnitude da vida e do grande desperdício que cometo ao deitar-me no sofá como se fosse pra sempre. Quem poderá me defender? Ninguém. Não há chapolin colorado por aqui. Sou órfã de chapolins e tenho muita preguiça de sair em busca de algum. Às vezes chego à conclusão de que não quero ser salva, tampouco quero salvar outrem. Quero o mais absoluto egoísmo, com requintes de crueldade abandonar a tudo que me aborrece e virar uma andarilha de mim mesma. Perder-me em isolamento e desistir da humanidade. Os cães são meus melhores amigos.
O que tenho ganhado dos humanos é muito menos do que já dei e não me contento mais com ninharia. Quando dizemos que alguém está carente é porque esta pessoa não tem nada e certamente sou uma pessoa carente de afeto.
Penso que a bipolaridade, metaforica no meu caso, porque não sou portadora deste mal na realidade, mas digamos que eu seja simpatizante, ela se confirma porque seu portador reconhece a realidade de sua solidão. A percepção da solidão talvez seja o pior dos sentimentos humanos, porque enquanto não percebemos o quanto estamos sozinhos a vida parece ser levada de roldão, sem que se veja tal fato. Sabemos que todos somos sós e que morreremos assim, tudo bem se não lembrarmos disto o tempo todo. Realizamos afetos, amizades, ligações de toda a ordem para não pensar nisto. Mas quando você se retrai por algum motivo relevante na vida e não consegue mais ter ligações com humanos vem à tona a relidade tão dolorosa que é saber que você é sozinho.
Mas terrível ainda é quando você não vê possibilidade de novos laços e vê o tempo passando direto para o fim de sua vida, a velhice. Lidar com a velhice passa a ser a outra opção para não pensar na solidão. Tenho feito isto. Tenho tentado lidar com meu envelhecimento com humor e sobriedade. Se puder fazer isto, mesmo com meus altos e baixos talvez aprenda alguma coisa nesta existência tão reles e cheia de erros e percalços.
O certo é que tudo o que fiz foi para tentar ser feliz e construir um aconchego de amor e amizade, de criação e alegria, que ainda são meu norte, meu guia de possibilidades por onde quer que eu vá.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

É hora de mudar

Cheguei a planejar trabalhar mais um ano. Havia definido que planejaria a vida por ano. Mas cada vez mais vejo os limites de continuar neste trabalho.
As coisas boas não superam as ruins. O negócio é planejar a aposentadoria mesmo. Afinal, adquirimos o direito e temos o direito de mudar a nossa rotina de vida. Fazer outras coisas sem essa cobrança permanente de fazer cada vez mais.

Tenho organizado a minha vida para mudar, largar este peso do academicismo, esquecer a preocupação que este trabalho incute na mente da gente. É um sentimento de culpa por não estar fazendo tudo o que deveria para ser um aistén. Como se fosse possível existir uma legião de aisténs. Quanta bobagem.

O bom é que não estou desmotivada para a vida, estou cansada do que se tornou a universidade. Eu sei que sou uma boa professora, mas isto não basta nesta nova cultura. E acabamos por nem ser mais bons professores porque temos que fazer tudo. E afinal, não ser bom em nada.

Vou empurrar com a barriga até fazer o pedido. Vou passar um tempo sem me obrigar a nada e depois escrever. Levarei uma vida de escritora e já sei até sobre o que vou escrever. Vou contar histórias sobre vidas reais de pessoas.

Criei um blog eumoronobolaxa.blogspot.com porque vou começar pelo Bolaxa, mas depois vou sair por aí. É uma pesquisa institucional, mas continuarei depois de aposentada. Quero contar a história de vida de pessoas comuns. Estou feliz com esta possibilidade.

Acho que me realizei profissionalmente. Atingi o objetivo de quando saí do banco. Cheguei a virar até uma doutora. É mais do que planejei. Eu só queria dar aulas na universidade. Mas já trabalho desde 1975 e já é hora de me libertar da vida de trabalhadora. É hora de passar a outra fase da vida. A fase do ócio criativo.

Todas as críticas que tenho feito à universidade são por me preocupar com o futuro dela e das pessoas. São críticas de comprometimento, mas acho que os que ficarem é que terão que experimentar os seus limites.

O mais interessante é que não foi uma questão de chegar no meu limite, foi uma descoberta de que a vida pode mudar, podemos ter outras experiências e nos ver em condições diferentes, livres do condicionamento social em que fomos introduzidos desde jovens, com compromissos e horários e cobranças de produção ativa.

Aposentar significa para mim um dever cumprido, uma possibilidade de reaprender a viver de outra forma.

Por incrível que pareça a convivência com o Marcus, meu irmão, com seu tempo vivido diferente, vivendo os dias fazendo coisas devagar, no seu tempo e curtindo pequenas coisas que consegue realizar no dia, me mostram que o sentido da vida é muito mais do que grandes realizações.

Pode-se ter muito mais alegria ao fazer um bolo de chocolate e tomar um bom café sem pressa do que conseguir publicar um artigo em uma revista b1. A simplicidade é muito mais compensadora do que a luta permanente para alcançar coisas inalcansáveis. A descoberta disto é libertadora.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Murmurios

Quando se tem a vida rodeada de murmurios de coisas a fazer não se pode reclamar. Afinal, seria um tédio se nada nos incomodasse ou desacomodasse.

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Trincado da casca

Criara o meu casulo, engrossava a casca com medo do mundo. Encolhera meus tentáculos de cutucos na vida. Guardara minha vara curta. Fugia das onças. Estava no meu cantinho entre minhas cobertas frias com minhas meias de lã pra poder dormir. Já desistira de sonhar com a paixão e o desassossego e sem aviso encontrei você. Meu colírio, minha visagem de força e pele de chocolate. Ah! Quem me dera provar deste gosto. Ah! Quem me dera saber de onde você veio e se lá tem mais destes como você. Ah! Quem me dera poder sonhar de novo com os abraços de encontro com o amado. Ah! Vida, vida surpreendente, me mostra mais destas surpresas assim com jeito de sobremesa, leveza, Platão.

quarta-feira, 29 de junho de 2011

Salvamos

Que coisa maluca esta estrutura cognitiva que o meio nos impõe, principalmente a tecnologia. Nossa linguagem e estado de espírito vai se configurando em uma coisa só. Nosso modo de ver as coisas, de memorizá-las vão se tornando nosso próprio pensar e fazer, nosso sentir. Vamos salvando coisas em arquivos ora importante, ora relapsos. Nossos lapsos de memória se misturam em esquemas de arquivos e os mapas se entrelaçam e enfumaçam nossa visão das coisas. Temos medo de perder arquivos. Alguns de nós usam pen-drives como adorno, colar. Sim, porque a qualquer momento eles podem precisar acessar algum arquivo, alguma lembrança. O pen deve ser gigante, potente com alta capacidade de compatibilidade. Enfim, esta conversa iria longe demais e eu teria que esquematizar uma ordem hierárquica para não me perder. A tecnologia tem feito isto com a gente. Estamos sendo transformados em robos inteligentes. Quem precisa de inteligência artificial se nós humanos já nos transformamos em artificiais inteligentes ?

Esta reflexão continua.....

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Onde andas?

Onde andará o moreno que estava aqui?
Passou assim de fininho por minha solidão,
Fez alvoroço de empatia, olhava pra mim e sorria.
Deu-me a impressão de ter sido boa,
E pareço que ando à toa pelos caminhos,
Tentando vê-lo vindo até mim sozinho.
Onde andará o moreno que estava aqui?
Parecia tão alto e forte, tão certo das coisas e de si,
Olhava pra mim com firmeza, tocava meu braço com força,
Cheguei a sentir sua decisão de me prender ali mesmo à sua história.
Não me acho boba por querer saber,
Vejo que ainda estou viva, imaginativa, altiva
E bendita a espera de alguém novo que está por aí....
Vou ficar feliz em saber onde andas
E se a vida encontrará nossos caminhos.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Pré ver que nada vê

Hoje de manhã eu comentava sobre nossos olhares sobre o cotidiano. Temos por norma formar idéias sobre as coisas e tabular em nossa mente modelos que facilitarão emitirmos definições e conceitos sobre o movimento da vida. Mas fazemos isto com tanta necessidade de produzir certezas que ficamos cegos na maior parte das vezes. Registramos idéias sobre regularidades da vida com tanta força de exatidão que passamos a não suspeitar se aquelas aparentes regularidades, quando recorrentes, possam trazer outros aspectos que não foram vistos por nós e que por isso, não farão parte de modelos mentais inventados para compreender o mundo. Não suspeitamos que os olhares seguintes não passarão de repetições de um olhar produzido pelo modelo mental.
A partir daí nos achamos experientes. Passamos a fazer a mesma leitura de fenômenos, fatos e eventos, enfim, coisas da vida. A dinâmica da vida passa a ser algo conhecido para nós e passível de ser sistematizado. Passamos então a prever coisas, pré ver, na verdade, porque nos valemos de algumas sistematizações para definir tudo, eventos, comportamentos, sentimentos, valores, tudo. Nos transformamos em seres robotizados achando que sabemos tudo, dominamos tudo, quando na verdade, nos impossibilitamos de olhar as coisas buscando as irregularidades, por assim dizer. Analisando-as e dando-lhes algum crédito, poderíamos compreender melhor e não mais do que podemos ver, manteríamos nossas portas abertas.
Pois passamos pela vida entendendo que o cotidiano está repleto do mesmo e esquecemos que ele esconde coisas que não elegemos como visíveis, e que portanto, por vivermos pré vendo nunca as veremos. Quando será que aprenderemos a nos desprender desta necessidade de explicar as coisas faltando os pedaços? Quando será que nos tornaremos seres que independente das visões sistematizadas estaríamos sempre em busca de novas visões?

quarta-feira, 11 de maio de 2011

O ninho e a chave

Havia me comprometido a fazer parte de uma mostra de intuição artística ou intuição estética, como tenho encarado a definição desta intervenção. O nome da mostra é Livros Verdes (Karine Sanchez). Cada um construiria a sua concepção de livro verde, isto é, alguma coisa que represente relações com a Educação Ambiental. Havia aceitado que esta ação fosse promovida dentro de uma disciplina, envolvendo alunos e alunas inspirados e desafiados a se exporem com suas idéias abstratas ou concretas ouconceituais o diabo. Tentara uma colagem ao mesmo tempo em que começara a testar materiais. Fiz a maior cacaca, minha obra virou um amontoado de colagens coladas e grudadas uma nas outras. Era conceitualidade demais para um exposição, um misto de possibilidades de vaia e estorvo. Pus de lado aquela idéia, que mais valeu pela experimentação das coisas do que de um produto para ser exposto. Valeu pela vivência íntima, pessoal. Até achar que haveria interlocutores compreensivos seria querer demais.
Dias antes quando andava pelo jardim reparei um ninho em contrução caído na grama. Juntei e fiquei admirando a trama maravilhosa que seu construtor iniciara. Não era a primeira vez que juntava um ninho pelo pátio, mas aquele não chegara a ser usado, estava novinho, e fora arrancado de seus galhos de fundação pela ventania. Institintivamente o guardei no atelier, queria admirá-lo com mais calma.
Pois foi para ele que olhei quando via que a obra anterior com as colagens havia caído por terra.
Logo pensei que seria legal levar a metáfora da coisa em contrução, da coisa inacabada e achei que aquele ninho era o símbolo para isto, era mais do que isto, era uma representação meiga de processos vitais, de processos de resguardo, de conforto. Mas era também a representação de processos que caem, que vão por terra e que nos abrem possibilidades de novos encontros, de abrirmos novas portas. Foi então que pensei que esta possibilidade poderia ser representada por uma chave. A chave seria colocada abaixo do ninho. Fiquei satisfeita com o meu processo e com o semiproduto, deixando sem resposta, e talvez suscitando algumas perguntas.
Levei pra exposição e a deixei lá, sobre uma mesa redonda que colocaram para mim.

domingo, 8 de maio de 2011

Permito-me enganos

Permito-me tantos olhares, tantas maneiras de ver o mundo. Não tenho medo da contradição e da incoerência, pois chamo em meus des-norteios (ou des-suleios) a recorrência de ponderações plausíveis. Como se testasse minhas crenças a todo o momento quando falo, penso, sinto o mundo. Busco um jeito de apreender as coisas do mundo e poder me situar, mesmo que por instantes sutis. A sutileza da vida talvez seja isto, poder se permitir os enganos e se colocar como eterna aprendiz. Quem sabe em algum momento distante saberei melhor sobre as coisas mundanas, sobre as gentes que encontro e desencontro pelo caminho. Já teve um tempo em que me arvorava de certezas e convicções. Era até intransigente com estúpidos. Tornava-me assim também a coroa da estupidez. Achava que minhas leituras de papel impresso e de vagas interpretações poderiam me comprar a sabedoria em latas com zíper fácil de abrir. Talvez ainda haja tempo para minha salvação, descobrir que mais do que nada sei, nada sei do que nada sei. Sou uma mulher de meio século tentando superar o próprio século em vão. Mas permito-me a asneira, a brincadeira, as colagens e bricolagens que voltei a experimentar. Tenho me dedicado a colagens de embalagens e revistas, jornais, desenhos, gizes de cera, glitter e tal, escrito poemas a partir do passatempo com elas e pode crer que vou me achando nos caminhos incertos das meditações. Tenho me permitido jogar dados, como a cartomante com seus búzios lendo a sorte vou relacionando imagens, palavras e pensamentos. Vou exorcizando impressões, medos de dizer a verdade, inverdades, sonorizando idéias, enquanto um bem-te-vi insistente se observa em minha vidraça, por minutos sem fim. Eu me permito todas estas loucuras que tem sido minha vida desde que inaugurei esta fase de não me importar tanto com a verdade verdadeira, mas com a psicanálise de minhas visões de mundo.

quarta-feira, 20 de abril de 2011

Detalhes

Ouvi alguém dizer um dia que a beleza se constitui de detalhes. Não sei se é certo dizer isto, mas isto me levou a observar os detalhes bem mais do que já o fazia. O termo detalhe começou a exercer uma influência sobre minha forma de pensar, sentir e agir com tanta intensidade que hoje me defino como detalhista entre outros defeitos ou qualidades, não sei.
A partir destes significados passo a entender que os detalhes nos descrevem. Eles todos tecidos junto vão configurando nossa identidade, integridade. Vou estendendo estas impressões à minha maneira de encarar a vida e as pessoas, nossas ações, nossos sentimentos e nossos pensamentos coletivos.
Parece-me que temos acelerado tanto os tempos vividos que nos esquecemos dos detalhes. Aquele cuidado necessário para a configuração significativa de nossas atividades humanas e, como já disse, sentimentos e pensamentos vai se perdendo, sendo deixados para depois e a partir daí nossos edíficios se tornam torres de papel.
Quando educamos nossos filhotes toda a atenção precisaria ser dada aos detalhes, a coisas que não costumamos parar para olhar e ver, sentir. Como construir uma estrutura de esperança na vida, por exemplo, se não prestamos atenção aos detalhes de nossas falas e gestos traduzindo nossa própria desesperança? São detalhes importantes que deixamos passar nessa vida vivida aos borbotões, rechaçando-se detalhistas que urram por tempo para olhar e ver sem serem desconsiderados.
Onde vamos parar com esta aversão aos detalhes é muito cedo para dizer. E a grande contradição é que o mundo está repleto de detalhes que a gente não vê. O que será da vida quando todos os detalhes forem vencidos, não sei.
Espero que me seja permitido o detalhe de viver.

terça-feira, 19 de abril de 2011

Um faniquito e Guias

Há dias em que temos que aceitar a vida comum. Ir ao super, ao correio, botar gasolina. Fazer comprinhas miúdas. Daquelas com as quais nos arrastamos para decidir fazer. Daquelas comprinhas que ficam listadas no cantinho das anotações, que fazem falta, mas que podemos viver sem. Costumo distribuir minhas atividades por prioridade urgente urgentíssima. Por isso, costumo ter pendências aos montes.

Não sei o que é pior, ser uma piorra louca fazendo tudo como the flash, ou assim mesmo como faço. Vou empurrando com a barriga metafórica (deus me livre ter barriga, cruz credo, abomino) as coisas por fazer para poder viver estas gotas de tempo ao máximo. Não tenho tempo a perder com afazeres chatos. Quero perder tempo fazendo nada.

Pois bem, hoje decidi fazer destas coisas e fui ao correio para saber do que tratava o aviso que deixaram em minha caixa, sem nem mesmo baterem no portão. Mas isto é outra incomodação. Então. Chegando lá me foi dito que se tratava dos documentos do carro. Não poderia ser, ainda não paguei o imposto. Enfim, entre dúvidas e espantos, assinei o recibo. Abri ali mesmo e constatei que se tratava do documento de um carro que foi roubado de mim em 1996. Uma novela que ainda se arrasta, porque ele foi localizado anos depois do roubo e já havia recebido visitas duvidosas de pessoas que queriam que fizesse a transferência do carro para eles. Eu respondia dizendo que o carro pertence à Seguradora, porque eu já havia recebido o seguro. Esqueci desta questão já faz mais ou menos 7 anos.

E agora estava eu ali novamente em contato com este episódio, pasma, impactada, sem entender porque eu tenho que passar por estas coisas. Tentei argumentar com a funcionária do correio que recebesse de volta o documento e avisasse o órgão competente. Nada feito. Saí de lá abalada, dei uma volta de carro a caminho de outra tarefa e decidi voltar ao correio. Tentei novamente o que já contei e nada feito. A moça me disse para resolver isto porque poderia recair sobre meu nome os possíveis problemas que fossem gerados pelo condutor do veículo. Saí dali mais abalada ainda, chingando o pára-brisa do carro, inclinada para a frente sobre a direção. Totalmente descontrolada e assustada com este tipo de evento.

Tentando dar conta da outra tarefa - comprar um tênis para meu irmão - dobrei numa rua errada. Ao tentar fazer o retorno dei com os olhos numa plaquinha do DETRAN e descobri naquele instante que havia um posto do DETRAN no meu bairro. Ufa! Não precisaria ir até a cidade. Estacionei de qualquer jeito. Aproveitei o pouco movimento e entrei no lugar esperançosa que ali seria resolvido. A precariedade do lugar não me decepcionou, um verdadeiro ambiente de balneário e com toda a preguiça que se tem direito. Dois funcionários ocupados revezando atendimento.

O que não estava atendendo perguntou da cadeira em que sentava lá detrás do balcão: pois não, ele disse, em que posso ajudar. Pálida, com certeza, respondi: Me salve, tenho aqui este documento que não é mais meu mas leva meu nome. Pacientemente ele me explicou que se tratava de alguma seqüência de ações para regularizar o veículo. Que eu não me assustasse. Veria isto tão logo o sistema eletrônico que utiliza voltasse a conexão. Estava fora do ar. E eu também estava fora do ar até que a calma daquele homem aparentemente relapso me trouxe para o chão. Ficou de averiguar. Ligaria para ele mais tarde.

Nossa! Um verdadeiro faniquito numa manhã tão ensolarada. Foi uma boa desculpa para priorizar não fazer mais nada de útil o resto do dia. Sou feliz, posso fazer isto. Fiquei pensando mais tarde sobre a ajuda que recebi ao ser guiada até o misterioso posto do DETRAN, saído do nada, já que não sabia de sua existência. Obrigadinha aí protetores. Valeu. Prometo mais calma da próxima vez.

segunda-feira, 18 de abril de 2011

É de manhã.....

Vem o vento fininho do frio e os pássaros visitantes de minha janela se apresentam. Ontem afastei a escrivaninha da janela e vim parar no outro extremo da sala e percebi o quanto o distanciamento oportuniza outras visões. A janela agora é um quadro para o jardim. Enquandrando a paisagem, aumentando a profundidade meu olhar se modifica e meus sentimentos com o espaço também. Podem dizer que é pieguice, mas qual ser emocionado não o é. Eu me emociono com estas pequenas coisas e por serem pequenas me completam e quase afogam, porque relembro de minha pequenez. Como sou pequena diante destas imagens e sentimentos. E como é confortável lembrar disto. Hoje vou sair por aí sentindo o mundo assim como o micro ser que sou. Sou quase uma duende. Hi! Quem me dera ser encantada, feito uma fada serenando a vida. Hei de ser. Hi!

terça-feira, 12 de abril de 2011

Embora borá

Os dias de sol ajudam a querer mais sol. Mas em qual lugar? Os caminhos são feitos de calçadas irregulares e jovens estabanados disputam os espaços. Você é obrigada a sair do caminho, pois corre o risco de perder o equilíbrio e se espatifar na areia solta. Sinal dos tempos. Aumentou a população de transeuntes e já não tenho aquele rabinho de parar o trânsito. Às vezes desço da calçada com o rabinho entre as pernas. Como é interessante esta constatação. Acho graça. Fico feliz em ainda ter um cérebro. Está na hora de ir embora, tecer meus pensamentos em lugares sem disputa. Se for possível evitar as calçadas e horários de tumúlto. Essa energia vital borbulhante me esgota. Quero e preciso da calmaria. Ah, não tenho mais pressa. Não me apressem, não me empurrem pra areia. Tudo bem, evitarei as calçadas, as trilhas, os comandos. Sei que a opressão não vai terminar. Ainda terão os impostos, as datas de aniversário, as festividades impostas, mas poderei sonegar algumas coisas. Afinal, quem vai contrariar uma senhora, que neste momento da vida, só quer ir embora, borá, borá. Viver de preguiça, doideira artística, poesia, mas claro, não deixar de dar vassouradas nas injustiças aviltantes. Viver na bora, entre o tino e o destino. O que há de ter?

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Manifesto de uma educadora

Foram muitas noites sem dormir estudando
para ser o que eu queria ser: professora. Como a maioria das brasileiras,
precisei trabalhar muito cedo e o estudo teria que ser feito conforme o
tempo disponível: as mil e uma noites de uma sonhadora.

Passei por muitos
espaços, muitas culturas de trabalho, mas o sonho de ser professora estava
latente, persistente, aguardando o momento de se realizar. Não foi fácil. A
escola e a universidade passaram a ser lugares de desejo. Pensar, falar,
argumentar, criar, descobrir, aprender, ensinar, compartilhar eram mais do
que sonhos, eram necessidades de auto-realização/social. Seria a minha
forma de contribuir e participar do coletivo social. Eu me ofereci para
este trabalho.

Quando presencio, tomo conhecimento e experimento a dor,
por empatia, de um acontecimento como o da MORTE DAS CRIANÇAS NA ESCOLA DO
RIO, no dia de ontem, 7/4/2011, eu consigo esquecer todas as outras dores
do mundo e meus sonhos, hoje realizados se estremecem, porque além das
vidas roubadas, a confiança e a segurança das crianças, pais, professores e
de todas as pessoas do bem que habitam o templo escolar está abalada. Este
tipo de coisa não estava nos planos de nossas vidas. Como suportar a
presença deste tipo de medo? Como sermos 'formadores' de professores e
dizer a eles que tudo vai acabar bem?

Hoje estarei dialogando com meus
alunos sobre isto. Para nós, isto não passará em branco. Entre nós os
convidarei a fazer uma reflexão e uma oração pelas crianças e seus
familiares, e, por que não, pela alma perturbada de seu agressor. Orando
também por toda a humanidade, porque acredito que a cada ser maltratado é
toda a humanidade que é maltratada.

A cada ato de violência, seja qual
for o motivo, é mais um grande passo atrás que daremos em nossa evolução. O
que nós educadores podemos fazer? No momento, abrir a roda para a reflexão.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Ser ou não ser

Puts, parece que lá vem o meu existencial baixando sem aviso. Hoje saí da academia querendo cair em outra academia. A do samba. Isto me acontece com freqüência nos últimos meses. Ah, que nada. Cansei-me deste lero-lero academicista. Uma nova realidade se descortina a minha frente. Nossa! Santa consciência das cavernas cristalinas ainda intocadas pelo homem! Como as coisas ficam mais claras a cada dia. O meu senso de inutilidade das coisas vãs se aprimora e rio de mim mesma o tempo todo. E como uma voyeur debochada rio de tudo a minha volta. Meus sensores se afinam e consigo ver o quanto se luta pela inutilidade. Não consigo ser eu mesma num ambiente onde todos concordam em voz alta e discordam calados. Um lugar onde a pressa é a dona da imperfeição institucionalizada. Uma perfeição ética e estética esdrúxula. Um orientando amigo diria que entende bulhufas. Sim, disse eu, são bulhufas epistemológicas vigentes. Mas são tantos os inconscientes felizes agarrados ao pão acadêmico de cada dia, são tão apressados em alimentar seu perfil acadêmico no Lattes que não podem parar para pensar.
Não querem pensar no que estão fazendo. Estão no meio do caminho. Não podem parar. Não podem olhar para trás. Não podem deixar que os impeçam de alcançar seus objetivos. E quando vejo e sinto esta febre delirante tomando conta das mentes, me arrepio, e agradeço a toda a minha vida por poder chegar até este momento ainda lúcida. Eu sou feliz por poder decidir entre o ser e o não ser um burro agüentando o trote.

terça-feira, 5 de abril de 2011

Elogio

Tenho ficado pasma ao constatar a febre do elogio presente nos ambientes acadêmicos. Parece que já é senso comum entender que um trabalho é de qualidade quando é muito elogiado. 'Elogiado por quem?'
Vejo as pessoas quase babando ao dizerem que seus feitos foram muito elogiados por esse ou aquele avaliador. Minha capacidade crítica vinha se incomodando com isto e eu não conseguia entender o que se passava comigo. Isto piorava quando tinha conhecimento das fragilidades de tais trabalhos. Por que me irritava tanto quando alguém comunicava que seu trabalho ou o de seu grupo fora muito elogiado, e que portanto, não poderia ser criticado por ninguém. O mesmo que dizer que já possuem um selo de qualidade que garante sua existência sem necessidade de questionamento externo.
Mas claro que sendo pensante eu encontraria um motivo para minha irritação. Havia alguma coisa que essas pessoas não vêem, porque não querem ver ou porque são tolas e presunçosas. Claro, todos sabemos que muitas técnicas do adestramento se utilizam do elogio para incentivar o aprendiz a seguir as ordens do instrutor, tutor, co-mandante. No caso acadêmico, a lógica vigente.
Sei que não poderei dizer isto a quem se baba com elogios, mas poderei pensar e dizer em silêncio: good boy!

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Experiências

Se estamos na vida pra sermos um laboratório de nós mesmos tudo que vier será bem-vindo. Até mesmo o fracasso. Em igual condição do sucesso. Ambos em sucessivas amostragens poderão nos mostrar afinal o que viemos fazer aqui: aprender.
No entanto, podemos tentar dar o cenário e a música destas experiências. Podemos tentar com todas as nossas forças fazer do trajeto um caminho de pedras, tudo bem, mas pedras roliças de rios cristalinos.
Ah, eu quero pisar nestas pedras e me aventurar, ser equilibrista, mas sentir a água fresca da correnteza em meus pés descalços.
Quais tantas experiências ainda estão por vir? Não sei. Estou preparando uma nova mochila de roupas limpas, vida mínima, mas levando na bagagem tudo o que tenho de mim. Já estou transbordando e semeando o meu tento, tento feito de ervas finas e aromáticas. Quero me dar este agrado, viver atenta ao que ninguém vê e desatenta ao que sobra.
Quero deixar um rastro de experiências de perfume, de lutas coadas, de essências da mais pura consciência da infinitude da vida.

quarta-feira, 30 de março de 2011

Blindagem

Blim, blim.
Cadê minha blindagem?
Afetar-me com o mundo sempre foi minha sina. Afetar-me com as coisas sempre me lembrou que estou viva. Mas que vida? Viver se chateando com as minúcias humanas já não me diz nada. As energias confusas circulam fantasmagóricas pelos ambientes e nos vemos todos assustados, temerosos, paranóicos. Mete-se os pés pelas mãos, mordemos iscas venenosas, viramos pessoas receosas, medrosas, horrorosas.
Cadê minha blindagem?
Devo viver à margem das felpas, das flechadas sem culpido? Não sei bem, mas claro que sim. Preciso pensar. Pensava eu andar por aí com minhas idéias, uma perfeita ideota. Feliz da vida por ser criativa. Uma vontade danada de contagiar os passantes, criar laços de pura alegria, cantar pela rua, engrossar vozes, gritos infinitos da terra-mãe. Mas os medos do contágio são tão grandes que às vezes sinto, pressinto desagrados e as ondas do mal me afetam. Esmoreço, entristeço, me reviro do avesso, quase desfaleço como uma flor num copo sem água.
Tóimnhoinhoim.
Cadê minha blindagem?
Então relembro: guias de minha força, entes de minha proteção, raízes desta caminhada revigorem mais uma vez minha capacidade de suportar a dor e transformá-la em aprendizagem feliz.
Que assim seja.

segunda-feira, 28 de março de 2011

Olhos verdes

Vou andando pela estrada e meu olhar vê o verde. Ele me chama mansinho. O verde dança em serenidade e revela pequenas flores silvestres. É a mudança de estação. Outono e Páscoa. Flores tímidas resistem ao vento frio que anuncia o inverno. O sol quentinho, suportável por mais tempo, ilumina a miudez das pétalas facilmente distraídas de nosso olhar. Me empapuço de verde miúdo, de verde enxarcando meus olhos de outras visões. Visões que me afastam dos ruídos de corredores barulhentos de meu cotidiano. Quero mais olhos verdes, verdes encantados e suas flores miúdas de final de verão. Quem vê isto? Será que alguém me escuta quando mostro? Acho que não. Não queria os olhos verdes pra mim. Gostaria muito que fosse de todos.

domingo, 27 de março de 2011

Vizinhança e ambientes cotidianos

Como lidar com diferenças na vizinhança? Principalmente quando cada um resolve ouvir um gênero musical em último volume? Isto me faz lembrar a dificuldade de convivência que tenho experimentado pela vida afora. Cada vez mais percebo o desrespeito e uma necessidade permanente de estarmos lutando por nosso espaço. É uma luta permanente e cansativa para sermos respeitados. Estou meio cansada disto. Todos os dias detecto a falta de respeito de uma pessoa com outra e de algumas comigo também. É preciso uma disposição e energia para problematizar as coisas e para botar os pontos nos is. As relações estão pesadas e frágeis ao mesmo tempo. Tudo é temporário e pronto para ser negado no momento seguinte. Tenho sido levada às vias de fato e obrigada a tomar atitudes radicais e isto me entristece, me cansa, me desilude com grupos e pessoas. Estou cansada de verdade com isto. Tenho sido lembrada por mim mesma a meditar e relevar a ignorância, a falta de solidariedade. Isto exige muito mais do que uma atitude espiritualizada, exige uma atitude de autocontrole extremo. Relevar os ambientes agressivos, a animosidade, exige muito autocontrole. Existe uma demência contagiosa que parece querer disseminar o medo, a paranóia, a desconfiança o tempo todo. É preciso um distanciamento, a entrada na camada à distância extratosférica, viajar nos sonhos, no cosmos e menosprezar a ofensa. Considerar acima de tudo a incapacidade do reconhecimento da alteridade incravada na cultura vigente. Paciência com a música desmusicada, com o volume ensurdecedor, da petulância de quem fala mais alto, de quem tem o equipamento certo para calar as vozes dos outros. Paciência é a grande aprendizagem que se leva da vizinhança e dos ambientes cotidianos nos dias de hoje.

segunda-feira, 21 de março de 2011

Surpresas boas

A vida reserva muitas surpresas, claro, ouvimos isto desde menina. O tempo vai passando e esquecemos de tentar aprender a dar o significado a essas supresas. Nos confundimos com a realidade que às vezes parece tão surreal. Vamos tateando nas aprendizagens sem saber aonde vão nos levar. Ficamos quase que à deriva, para se utilizar o mar como metáfora. É um mar de coisas e de acontecimentos, de sentimentos e de descobertas que nos sobrecarregamos e nem sempre utilizamos nossa inteligência para sistematizar, para reordenar nossos planetas. Já estou viajando. Já saí do mar. E é nessa viagem em que hoje me vejo em pleno estado de graça. Viajei. Fui das profundezas da terra ao cosmos infinitamente esperançoso, pleno, sereno e confiante. Ai como é bom este sentimento, esta descoberta, esta surpresa. Sou, estou dona de minha alma. Ela flutua em oração pelo entorno. A cada dia estou mais forte e pipocada de uma compreensão infinita pela vida. Credo, de onde saiu isto? É muito bom. Acho que é uma mistura de consciência e aceitação da maturidade e um retorno decisivo à sintonia maior, a transcendência existencial. Quem é que me aguenta agora?

sexta-feira, 18 de março de 2011

Estou a caminho

Os últimos dias têm sido muito reveladores. Há muito tempo que não me sentia tão poderosa. Quando estamos cabisbaixa, embora se saiba que toda a tempestade um dia passa, é difícil mudar o estado de espírito somente com tal certeza. Ser dona de mim novamente é a melhor das descobertas. Ser dona das vontades e das certezas do que não se quer é bom. Isto é demasiado sublime. Não me contenho em alegria e serenidade. Sou outra. Verdadeiramente outra. Aquela mulher desacreditada de si mesma partiu e não deixou endereço. O passado, no entanto, insiste em bater em minha porta, mas não por meu chamado. Era inevitável que o passado perdurasse mais do que minha tristeza, mas ele já não pode mais me alcançar. Não do jeito que intensiona, se repete, se investe de um poder que já não tem. Hoje inspiro vida e planos de um futuro de meditação e vida slow. Não cabe mais em minha vida um passado abrupto, invasor, impaciente. Quero o frescor de dias claros de sol e mar, casa aberta e redes na varanda. Quero a reflexão e a palestra fluídica de encontros de serenidade com pessoas afins.
Meu jardim será de minhas idéias. Minha casa será de minha paz. Meu mundo será de encontro e tolerância. Meu mundo será de música rebatendo o corpo e ardendo em sopros como o coração da terra. Os seres em meu caminho serão testemunha de minha tolerância e maciez de espírito. A terra, o mar, o sol serão meu ninho. Eu quero aceder a outro nível de entendimento que minha história tem impedido a chegada. Eu chego lá. Eu sei que chego. Estou a caminho.

domingo, 6 de março de 2011

Ir ao supermercado

Uma das coisas mais penosas para mim é ter que ir ao supermercado. Já devo ter dito isto umas cem milhões de vezes. Mas não me canso de dizer, sentir e pensar. Aqueles labirintos modernos de coisas empilhadas e espalhadas em ilhas de consumo me atormentam. Tenho me dedicado a consumir minimamente para poder fazer destas idas momentos rápidos e sem dor. Fico economizando os mantimentos para que durem ao máximo. Isto me torna ecologicamente correta porque vou até às últimas consequências da fome, dando conta de todos os restinhos e pendências na geladeira somente para não ter que ir ao supermercado. Cativa de fobias, eu diria que sou acometida de mercadofobia. Tento me esquematizar e tornar estes momentos mais sadios, leves e normais, mas tenho um tempo para estar naquele recinto com aqueles carrinhos desenfreados e aquelas pessoas apressadas pisando em meus pés, dando empurrões e cutucões para escolherem seus tomates. Nestes momentos geralmente eu chego ao clímax do pânico. Fico vendo todos aqueles tomates me olhando e não consigo escolher direito. Bate uma crise de poder de decisão danado. Geralmente chego em casa com tomates defeituosos. É, novamente sou ecologicamente correta mesmo sem querer. Sou eu que levo os tomates feios.

Mas hoje aconteceu alguma coisa para minimizar meu pânico lá no estágio da fila do caixa. É comum neste horário eu chegar a ter tonturas e falta de ar. Aí já cheguei ao meu limite e luto para não largar tudo e correr para casa. Mas hoje especialmente foi um dia especial. Havia um homem a minha frente que segurava a fila para o resto de sua família (mulher, sogra e filho) que continuava a trazer coisas para o carrinho. Ele abrira um saco de salgados e comia vorazmente , segurando uma cadeira de praia. É feriado de Carnaval e o balneário onde moro está cheio de turistas. Sei que ele é turista porque perguntou se aquele era o único mercado do lugar, querendo puxar conversa. Falava com a boca cheia e o cantinho dela cheio de farelos. Logo atrás de mim chegava um homem negro muito interessante. Reluzia sua corrente de prata no pescoço de pele negra genuína. Se não era um expresidiário, era um músico ou um pintor de paredes. Era um homem simples, mas muito simpático e receptivo. Não parei pra analisar a questão na hora. Apenas senti vontade de me aproximar dele. Eu estava receptiva. Desconfiei que era músico amador. Mas puxei assunto com ele. Me pareceu mais confiável do que aquele turista. Falamos do movimento lotado do lugar e olhávamos a nossa volta como se não precisássemos falar. Intuia que víamos a mesma coisa. Foi quando o turista percebeu que a cadeira que estava comprando era toda torta. Não nivelava no chão. Olhei para o 'pintor' e resolvi fazer uma graça., sem que o turista ouvisse, claro. Disse que a pressa destes eventos em supermercados vai chegar a um ponto em que irão colocar uma figura de frango na prateleira e pensando ser um frando a levaremos pra casa sem perceber que não é um frango. Ele riu muito e complementou a anedota dizendo outras coisas. Quando percebi já era minha vez e já estava me despedindo do companheiro de fila e rumando para casa. Que fobia, que nada. Tenho que abandonar essa idéia. Eu preciso mesmo é de contato humano.

sexta-feira, 4 de março de 2011

Voltas e revoltas

Às vezes acordamos e concluimos que voltamos do inferno. É preciso voltar muitas vezes para perceber isto. O medo passa a ser não o do futuro, como ocorre nas ansiedades conhecidas. O medo passa a ser o das experiências recentes ou desencadeadoras das vidas passadas. Quando conseguimos tirar o pé da lama, lama que passamos a conhecer bem depois de algum tempo, ficamos saturados das idas e vindas, das voltas e revoltas.
É preciso quebrar o ciclo, virar o disco, jogar para um passado longínquo, mesmo que o sofrimento seja sempre tão recente em nossas mentes, mesmo que ele esteja no dna. É nossa mente que decide esta dinâmica. É nossa mente, misturada de razão e emoção, que deve equilibrar essa balança.
A rotina das voltas e revoltas vai se cristalizando aos poucos se não quebrarmos este círculo vicioso. A reincidência se banaliza e já não saberemos mais o que é sofrimento e o que é companhia.
Sair uma vez do inferno deveria ser o bastante, mas nossas fraquezas não vêm com manual. Precisamos aprender no ensaio e erro. Sabendo disto já é uma vantagem. O que procurar para sustentar as decisões de ser feliz? É difícil dizer. Talvez procurar esta resposta já seja uma forma de sustentar nossa mente na superfície do observável, sem afundar na correnteza do inferno.

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Reuniões perfiladas

Mal retorno das férias e já me deparo com os agendamentos de mil reuniões, mil pautas, mil dúvidas, mil decisões a serem tomadas. Ufa!
Mal retorno das férias e já encontro um aluno cheio de idéias transbordantes querendo me ser contadas, e que saem atrapalhadas de seu nervosismo pra me impressionar.
Tento acalmá-lo com algumas ponderações mas isto o atiça mais ainda. Então resolvo ficar ouvindo um pouco com o propósito de não intervir para ver se ele vai se acalmando aos poucos.
Preciso parecer que o que diz é interessante para que ele resolva não me impressionar mais. Mas há a hipótese de que ele esteja mesmo aflito por resolver suas dúvidas.
Encontro uma colega para conversar e ouço que seus projetos e planos para este ano estão todos definidos e delimitados. Muitos editais e a sua disposição não é invejável. Não para mim que experimento esta fobia epistemológica.
Ainda não disse o que entendo por fobia epistemológica. Bem, existe o termo epistemofobia que significa medo do conhecimento, assim como agnosiofobia. Mas resolvi usar o termo como fobia epistemológica que é quase a mesma coisa, mas um pouco mais. Um mais que pretendo descobrir com estas reflexões.
Reuniões perfiladas. Devo comparecer. Devo marcá-las. Agendá-las. Isto me apavora porque não sei entrar muda e sair calada dos lugares. Tenho este defeito. Tenho cá pra mim desde sempre de que tenho que participar dos momentos e lugares por onde passo. Preciso aprender a calar nas reuniões, ouvir mais, mesmo que viaje a outros tempos e lugares enquanto isto.
Mesmo sabendo que não é o certo, mas é o que suporto diante do excesso ou da escassez de conhecimento.

Parangolés epistemofóbicos

Tenho participado de seminários e reuniões em que as falas me atordoam. Seguidamente perco o fio da meada, o fio do raciocínio. As falas licenciadas, isto é, daqueles que têm o direito de falar, fazem tantas voltas e revoltas que não consigo entender o que querem dizer. Isto me irrita e como sou professora - aquele tipo de profissional que adquiriu o direito da fala por profissão - intervenho e também me perco em meio a tantos raciocínios competitivos. Não aguento mais reuniões competitivas. Aliás, sempre tive problemas com competição. Na escola eu me entregava logo no jogo de caça e caçador porque não suportava a angústia de ser perseguida. Coisas de pessoas éticas ou covardes, sei lá.
Os tempos em que vivemos obriga os jovens a serem cada vez mais competitivos e eles fazem das tripas coração para mostrar seu montante de informação (conhecimento?) para mostrar sua competitividade. Isto me irrita, me cansa, me dasanima. Jogo a toalha, desisto, fico a fim de ir pra casa.
Já não tenho mais aquela vontade combativa, quando me valer da lógica adiantava. A lógica vigente é ilógica. E se completa com a força do grito, da intimidação com revirar de olhos e entreolhos dos comparsas opositores. Isto me irrita e quando vejo altero meu tom de voz e o coração palpita forte obrigando-me a calar.
Deparo-me com uma lógica do enfrentamento para a qual não vejo mais sentido. E principalmente porque a mediocridade vigente se camufla no desrespeito.
É a velhice? Os tempos pós-modernos? A barbárie?
Vejo como saída de emergência refletir mais sobre os parangolés que emergem na academia. Eles são fruto da de-cadência dos sujeitos falantes ou são um grito de socorro de epistemofóbicos?