domingo, 15 de janeiro de 2012

Meu irmão é um baita marceneiro

Há poucos dias atrás bateu aqui em casa um cara todo esbaforido procurando por meu irmão para pedir que construísse um barraco de madeira para ele num terreno na rua de trás. Estava meio desnorteado, aflito mesmo, dizendo que estava procurando por Marcus fazia um tempão. Com a calma que lhe é peculiar, Marcus disse ao cara, tá, tudo bem, vamos lá ver o terreno.

Marcus voltou contando que o terreno, já separado com uma cerca de arame, fora comprado entre dois amigos e repartido igualmente. O tal proprietário aflito e inquieto ficava andando de lá pra cá e querendo saber se Marcus poderia começar logo e quanto iria custar tudo. O homem relatou que não agüentava mais viver onde morava no momento e por isso precisava arranjar um teto com urgência. Queria botar sua família dentro de um barraco para depois construir a casa. Meu irmão ficou consternado com a situação do sujeito e não cobrou o preço justo, cobrou menos.

O terreno fica próximo aqui de casa. Em poucos minutos se chega lá. Marcus foi a pé todos os dias desta última semana lá construir a casa do cara. Hoje de manhã resolvi espiar a quantas andava a obra e fiquei abismada com a capacidade de meu irmão em construir uma moradia para alguém, com material barato, fazendo um verdadeiro milagre com a madeira. Ele é perfeccionista e não poupou esforços para dar uma boa aparência ao lugar. Isto me faz pensar como é difícil encontrarmos pessoas que mesmo com materiais simples consegue edificar a beleza e a utilidade. Aquele proprietário aflito do início da semana estava com o sorriso nas orelhas. Parecia uma criança admirando o seu brinquedo novo e achando que estava ajudando enquanto tropeçava nas madeiras. Resolvi sair logo dali, porque sei que meu irmão não gosta de gente andando na volta se não vai pegar no pesado. Hi, hi, hi.

Problemas de políticas públicas de moradia a parte, também me emocionou saber que mais uma família vai ter o seu próprio canto e que meu irmão participou disto com o seu saber fazer e a sua ética solidária. Este ofício maravilhoso que é a marcenaria, transformar a natureza em objeto, um teto, um aconchego para alguém deve ter quase a idade da humanidade. Isto é muito legal. Meu irmão é um baita marceneiro e usa seu ofício para fazer coisas boas e belas. Ver aqueles dois homens ali, contratante e contratado, articulando sonhos e saberes para aquela construção, alegrou demais o meu domingo, a minha existência.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

O banho das cachorras

Este dia está um bafo. Nem o vento ajuda. As árvores se escabelam mas logo ficam cansadas e emudecem. Quilha e Bebel, minhas cachorras, se arrastavam andando atrás de mim enquanto eu aguava o jardim. Pobrezinhas, pensei. Precisam de um banho, e é de mangueira. Eba, vamos lá gurias, se aprontem que a mamãe vai dar aquele banho nas duas. Uma de cada vez, primeiro a Quilha. Vem cá sua danada, fica bem quietinha que vou te dar um banho daqueles, vou molhar bem e tirar todo este melado do couro. Vai ficam bonita e limpinha. Vamos lá, sem fiasco, fica quieta que vais poder dormir num sofá hoje à tarde enquanto eu estiver dormindo no outro.
Ela tentava escapar, mas não resistia ao chamego que envolve tomar um banho. Não é só a água e shampu que fazem um bom banho. Tem todo aquele chamego, aquele convencimento, as carícias e as palavras macias para garantir o processo até o final. Nestas horas é bom ser cachorra, se é que alguém me entende.
Concluída a primeira, parti pra segunda cachorra. Pra quê? Quem diz que a primeira deixava. Tive que fazer um banho meia boca pra garantir a lavada completa, porque nenhuma das duas parava quieta. Eu havia esquecido que precisava tirar uma cachorra de cena pra poder iniciar com a segunda. Parece até vida real gente.
Enfim, conclui os banhos e as duas correram pelo jardim bem afrescalhadas e cúmplices do fuzuê. Eu fiquei fedendo a cachorra molhada e sem ninguém pra me dar banho. É a vida. Quem me dera ser cachorra.

Hoje a tarde vou dar o banho no Dino, o único cachorro da casa.

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Cuidar exige sabedoria

Cuidar dos outros é bom. Mas qual é a medida do cuidado? Como ajudar o outro a seguir com as próprias pernas? Não sei fazer isto. Tenho ficado refém dos monstros que crio. Não sei como expulsar do ninho o sequestrador de minha atenção e dedicação. Fico presa à estrutura que inventei para acolher o ser cuidado e não vejo como desorganizar esta dinâmica sem derrubar tudo. Não é fácil produzir autonomia para os outros. É preciso que aconteça a mágica do desejo pela independência por uma das partes. Meu desejo por independência acontece, mas do outro não. Eu me saturo de me dedicar por um tempo sem fim. Eu preciso do final da história, de concluir etapas, de finalizar projetos e começar outros.
Talvez eu não devesse cuidar tão bem dos outros. Talvez eu devesse ser mais austera, sem tantos desdobramentos de atenção, sem tantos detalhes e requintes de ofertas de cuidados. Eu viro quase uma camareira das pessoas quando me disponho a cuidar de alguém. Isto não está certo. Isto não é normal eu diria, se pensasse bem antes de me deixar levar pela compulsão de atender às necessidades de alguém. Eu até invento necessidades que as pessoas nem haviam pensado para vê-las bem. É quase como uma instalação estética cuidar de alguém para mim. Fico antevendo o que a pessoa vai precisar e preparo o ambiente para ela, me desdobro em esquemas criativos para vê-la bem instalada, aconchegada, querida e feliz.
Mas aí a pessoa se deita nas cordas e gostando de todo aquele atendimento me escraviza. Eu suporto por um tempo, mas depois vou sentindo um mal estar, uma angustia e fico prestes a estourar. Até adoeço. Meu corpo começa a me avisar que é hora de parar com o projeto e me vejo em maus lençóis para me desfazer daquela instalação que eu mesma construí para abrigar o monstro que forjei.
Eu não sei a medida do cuidado. Deveria existir um Manual do Cuidado para pessoas cuidadoras como eu. Eu nasci para cuidar dos outros. Sei disto, mas precisaria aprender a fazer isto sem chegar ao ponto de esgotamento a que me exponho sendo tão amadora.
Não tenho sabedoria para cuidar dos outros. Será que podemos aprender a fazer isto sem chegar ao esgotamento? Como pressentir a chegada de sugadores de energia? E como nos livrarmos deles quando se instalam como se fosse de direito? Como fazer isto com o menor trauma possível para ambos os lados?