Passei a manhã arrumando gavetas. Assistindo programas sobre acumuladores compulsivos, descobri que sou uma anti acumuladora, quase compulsiva. Acho que pode-se dizer que sou obsessiva sim. Sempre senti fobia por ter muitas coisas. Muitas vezes fui motivo de chacota, porque as pessoas não acreditavam que eu não gostava de ter muitas roupas, bolsas e sapatos. Depois vieram os objetos e utensílios de casa, móveis e coisas que não estava usando. Quando descobri a filosofia feng shui meus problemas acabaram. Eu sempre descartei o que não estava usando, estava bem de acordo com aquela forma oriental de ver o mundo. Por algum tempo vivi sem preocupações com a compulsão por não acumular e sentir a necessidade de ver os espaços amplos e desocupados. Geladeira vazia pra se ver a luz dentro dela, gavetas com as coisas a vista, móveis desencostados da parede no mínimo 10 cm, tirar as embalagens de tudo que entrava em casa e já colocar para o lixeiro levar, pátio sem nenhum acúmulo que eu não pudesse ver as paredes limpas. Tudo parecia normal até que comecei a querer doar tudo que eu não pudesse limpar diariamente, tudo que eu não estivesse usando. Num círculo vicioso passei a me desinteressar por tudo que estivesse a minha volta. Inconscientemente passei a exercitar o sentimento de desapego das coisas, a reduzir sua importância pelo valor de uso e de troca. Não valendo nada a obsessão por me livrar delas aumenta exponencialmente a ponto de colocar no lixo limpo bem embalado se não encontro ninguém para doar. Decididamente, eu não quero ter mais nada. É uma doença? É um estado de espírito? É um processo de amadurecimento espiritual? Não tenho a mínima ideia, porque isto é um sentimento que me domina.
É claro que não estou disposta a viver sem energia elétrica e água potável, muito menos sem o conforto de uma casa ou apartamento. Quero inclusive envelhecer numa pequena cobertura com vista para o mar e longe do barulho natural da juventude. Mas me bastará o básico que não ocupe muito espaço em 80 a 100 metros quadrados. Também caberá que o condomínio tenha piscina e jardim, que não serei eu a limpá-los.
Pois em toda esta limpeza rotineira me deparei com o colar que foi de minha tia materna. É uma peça de gosto duvidoso, confeccionada de jade trazida pelo marido dela quando foi à Itália pela primeira vez, há uns 50 anos. Ela detestou o tal colar porque alegava que fora comprado de última hora, pois não tinha um feche adequado ao material utilizado. Coisa que entendedores de joias como ele, que era dono de uma fábrica do ramo, deveria saber. Diante das discórdias do casal minha mãe se ofereceu para ficar com o colar. Exibindo-o como uma joia italiana passou a usá-lo com frequência. Lá pelas tantas minha mãe encheu-se do colar e o deu pra mim. Segui a tradição familiar e o usei bastante nos anos 80. Depois o deixei pelas gavetas pra ser avaliado se ficava ou se seria doado durante as fases de desapego. Hoje pela manhã, novamente admirei o colar e me passou pela cabeça enterrá-lo no jardim para ser encontrado por um arqueólogo do futuro. Ele não pertence mais ao presente, sua história, que envolve 3 mulheres e um maldito viajante que o trouxe para sua esposa, parece ter algum sentido. Olhar este colar me lembra de que ele é o colar de minha tia, não era de minha mãe e nunca foi meu. Ele é feito da terra, de jade, e é para lá que ele vai voltar. E eu seguirei meu caminho, minha filosofia de me desapegar. Adeus colar!
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