Poderia escrever mais, entregar-me à escrita, aperfeiçoar um estilo, dar
tudo de mim, chegar ao esgotamento das buscas pelo inédito, pelo não
dito. Que ilusão estaria alimentando se acreditasse nisso. Não há muito o
que ser dito ou inventado a não ser viver as rotinas com alguma
dignidade. Não me interesso mais pela criação da obra, mas por descobrir
obras de quem já acreditou ser possível criar o inédito. Por isso, hoje
me perco em aquisições de livros belos, estimando as imagens e poucos
conteúdos escritos. A botânica, os jardins, fauna, flora, fotografia. Quero a beleza do dito sem palavras. E das palavras,
desejo-as poucas, em poesia consagrada, sem medo da perda de tempo em
descobri-la. Afinal, nem tanto tempo eu tenho para esta nova fase de
ouvir aqueles que me legaram sua criação. Eu quero aconchegar-me na
história da arte e da natureza e bebe-las como licor de amêndoas, bebericar, servido passo a
passo, guardando a garrafa no armário pra ter que me levantar cada vez
que quiser calibrar o pequeno copo de cristal. Eu quero fazer pequenos
passeios e registrar imagens em minha câmera fotográfica pra poder
admirar várias vezes mais tarde, descobrindo minha amadora astúcia técnica e meu
olhar poético do mundo que ainda consigo ver. Isto não é desencantamento, ou pessimismo ou coisa pra se dizer num leito de morte não. Isto é a celebração da consciência de uma gratidão pela vida que não tem medida.
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