sábado, 17 de julho de 2010

Ensaio sobre a demência

Seria interessante se eu tivesse fôlego e paciência para escrever um ensaio sobre a demência. A recorrência de fatos e fenômenos esquisitos e instituídos como verdades reais é tanta que às vezes, mesmo em minha iludida lucidez, passo a acreditar que devo fingir que não vejo, nem ouço e que nem devo falar mais nada. Mas não adianta, nasci para falar e se não o pudesse eu escreveria, ou gemeria, ou aprenderia a linguagem dos sinais. Em última instância me faria ouvir por beliscões e pontapés, ou coisa mais radical. Computo minha racionalidade desde menina e não consigo encaixar as sandices cotidianas que vejo por onde passo. Quero ser tolerante com os fracassados, com os oportunistas e com os ingênuos, mas não consigo. Uma certa melancolia me invade e fico nostálgica, lembrando do tempo em que a vida era lenta e as coisas por aprender e entender não eram tantas. O bem era o bem e o mal era o mal. Todos os dias devo aprender novas coisas em novos programas implantados em minha aflição. Devo aprender a lidar com a atualização dos programas do computador, com os formulários inventados no trabalho para melhor controlar, com as tagarelices mundanas repetindo acontecimentos cada vez mais requintados em sua maldade e como lidar com o facismo não tão disfarçado que cresce entre nós. Nossa! Este ensaio que penso escrever talvez não pudesse ser concluído, porque não poderia dar conta dessa totalidade de redes neuróticas, bióticas e psicóticas que me cercam como ondas tsunâmicas. Temo que meu barco a remo seja espatifado. Só me resta criar asas e adormecer na demência vigente, deixando que a vida urgente e necessária me consuma e me envelheça aos poucos, levando minhas palavras e sentimentos para o nível do irreal. Será o bastante para entender que tudo não passa de um ensaio para o dia em que a demência final se estabeleçará. Se continuar a falar, mesmo que sozinha à surdez do mundo, será como registro para os próximos dementes retidos no ciber espaço das infinitas ondas ciderais. Valha-me espécie mal agradecida!

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