sexta-feira, 23 de julho de 2010

Brega ou chique

Nem quero saber se o que entendo por brega hoje tem outro nome. Sei que reconheci o dilema que tenho vivido minha vida toda. Explico. Desde que lia aquela coleção Seleções, muito conhecida nos anos 60 e 70, dias em que era uma das leituras disponíveis em minha casa, já me inquietava com estilos de vida. Nossa referência básica era o estilo de vida americano. Esta coleção se dedicava muito aos estilos errantes. Gente que vivia em trailers e coisa assim. Estilo bem popular nos Estados Unidos. Na época eu sonhava com uma vida assim. Andar pelo mundo morando em um trailer. Planejava uma vida básica, sem levar muita coisa, evitando criar uma história com objetos que se acumulam nos aposentos. Sempre me incomodou juntar tralhas pela casa e aquela mania das pessoas que além de fazerem isto - juntar tralhas pela casa -, ainda se desesperam por não ter um quartinho do soca-soca. Ficam lá no soca-soca as peças e objetos substituídos pelas recorrentes ambições de ter mais. O sonho de viver em ambientes limpos de poluição do espaço e visual sempre me atraiu.

Aprender a não juntar coisas sempre pareceu uma boa idéia, mas o que vejo hoje é que das coisas que já possuí tenho uma vaga lembrança, nem mesmo sabendo onde e quando foram descartadas. Muitas tradições e penduricalhos foram descartados sem dó. Da noite para o dia resolvia fazer uma limpa nos distúrbios estéticos que acumulava. Estes fatos vêm se juntar a esta reflexão num momento em que percebo que não tenho o mínimo jeito para decorações de ambientes. Muito embora tenha bom gosto para a escolha de móveis e objetos não chego ao nível de saber combiná-los, porque não tenho tido a chance de comprá-los ao mesmo tempo. Neste caso, o problema é financeiro mesmo. Foram anos construindo uma casa com salário e precisei sublimar o planejamento da decoração. Ficava refém do improviso. Se comprava um móvel ou objeto de bom gosto, este chegava a perambular pela casa por anos, aplicando-se ao multiuso e muitas vezes se tornando um estorvo. Poucos se salvaram dos furacões de descarte.

Hoje que tenho mais tempo para reparar nestas coisas, chego à conclusão de que a falta de condições de adquirir peças de qualidade e chegar a combiná-las, criando ambientes harmoniosos, elegantes e refinados diz respeito à questão financeira mesmo. Isto nunca foi um problema para mim, porque me orgulhava de não querer aderir ao padrão estético vigente da classe média local. Por conta disto, no meu caso, parece que o ser ou não ser brega está na dependência de criar objetivos focados na decoração de ambientes, canalizando recursos específicos para a aquisição de peças básicas que os componham e de, feito o planejamento, perseverar na composição do cenário, até que possa realmente descobrir se sou ou não sou brega. Na mesma proporção, se sou ou não sou chique.
Na verdade, se pudesse descobrir um estilo que não fosse seguir tendências estabelecidas seria realmente a realização de parte dos meus sonhos de viver livre de paradigmas conceituais das estéticas dos ambientes. Em tempo, percebo que minhas inseguranças e incertezas atuais não podem me levar aos botes salvavidas de paradigmas que sempre refutei.

A história que não posso contar pela ausência de objetos adquiridos e deixados durante a vida pode ser refeita com uma decoração quase final. Como dizia Chico Xavier e eu mesma já disse aqui: ninguém pode voltar atrás e refazer o que já foi feito, mas pode construir um novo final.
Em todo o caso, seguindo o que me restou de tradição, um casal de joão-de-barro está construindo um ninho na timbaúva robusta que fica em frente à porta da sala do piano. Isto eu tenho certeza que é chique, pelos meus padrões, porque me enche de ternura e pertencimento.

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